As elevações nos preços dos combustíveis é consequência da necessidade de tornar a Petrobras rentável novamente, depois de desmantelados os esquemas de corrupção que aconteciam na estatal, enquanto que a revolta, não só dos caminhoneiros, mas da população de um modo geral, é movida pela falta de políticas eficientes que pudessem melhorar a situação econômica do país. Esse é o entendimento do professor de administração Adriano José da Silva sobre a greve que tomou conta do país desde o início desta semana.
Protestando contra os constantes aumentos do óleo diesel, os caminhoneiros cruzaram os braços e estão parando o país que já sente com a falta de produtos e serviços. A situação, de forte dependência do transporte rodoviário para desempenho das demais atividades, é consequência de uma falta de planejamento em longo prazo, de acordo com Silva. “Fazer asfalto, vender caminhão, subsidiar a venda desses transportes sempre foi mais fácil do que pensar em uma ferrovia que demora X anos para ficar pronta e que demora a dar resultados. Hoje nós somos um país refém do transporte rodoviário porque o modelo de desenvolvimento econômico ficou baseado na questão da indústria automotiva e nós não pensamos que em algum momento essa junção de forças pudesse acontecer como está acontecendo agora”, argumenta o professor.
Ao jornal ON, Silva abordou as causas que influenciaram e permitiram a atual situação de greve e também traçou uma analise sobre as possibilidades de resolução da greve, por parte do governo de Michel Temer. Confira a entrevista na integra.
ON: Do ponto de vista econômico, que fatores contribuíram para essa revolta da população?
Adriano José da Silva: O que a gente observa é que houve uma mudança do governo anterior, ocorreu o impeachment da Dilma, se criou uma expectativa de que com a saída da Dilma a economia voltaria a crescer e, rapidamente, isso voltaria a gerar renda para as famílias e o emprego voltaria. Passados dois anos do impeachment, a roubalheira não cessou, os políticos estão todos encastelados no foro privilegiado, o desemprego vem melhorando, mas muito lentamente e o preço do combustível, por conta da corrupção na Petrobras, quem pagou foi a população e ainda está pagando com os preços elevados. O grande milagre de a Petrobras voltar a ser rentável e uma das empresas mais valiosas do mundo foi o reajuste do preço do combustível e não a melhoria da eficiência ou, efetivamente, da concorrência da Petrobras. Tudo isso faz hoje com que as pessoas tenham que gastar mais em combustível, reduzindo um conjunto de gastos que tinham antes em função de pagar mais pelo preço do combustível e essa é a conta toda da corrupção. Parece que transbordou essa questão do Brasil que sempre prometeu ser um país do futuro, e parece que o futuro não chegou e a população está totalmente cansada, perplexa e pagando a conta da corrupção e dos privilégios dos políticos e parece que a classe política não está entendendo.
ON: É possível definir essa greve como proletária ou patronal? Ou como uma revolta coletiva de vários setores e instituições?
Adriano José da Silva: A percepção que eu tenho é que ela começou com os autônomos, a patronal aproveitou o momento para garantir a desoneração da folha de pagamento desse segmento, em detrimento dos demais segmentos da sociedade, só que transbordou para os grandes centros porque a população também está se sentindo cada vez pobre e muito indignada e agora ninguém mais controla esse processo. Não existe uma liderança capaz de fazer um centro no país, de dar um novo rumo à política, ao desenvolvimento econômico e o governo Temer, nesse processo todo, é um governo que acabou sem ter acabado o mandato. Hoje nós estamos a deriva com um presidente com uma impopularidade muito alta, sem credibilidade e ninguém mais ouve a voz dele. Há uma questão do aproveitamento da parte patronal na questão da desoneração da folha, algumas vantagens para esse segmento que é importante para o Brasil, mas, por outro lado, a sociedade cansou de pagar o pato em função de que nada mudou em dois anos. Todos os corruptos continuam lá, os privilégios continuam lá e efetivamente a vida das pessoas não melhorou.
ON: Sobre a questão do acordo, de reduziu o preço do diesel e de retirar o tributo do ICMS, que vai para os estados, como o senhor analisa essa possibilidade de acordo proposta pelo governo?
Adriano José da Silva: A questão da Petrobras é central para o Brasil. A população precisa tomar uma decisão: se a Petrobras tem que se manter pública ou tem que ser privatizada. Em se mantendo pública, ela que cumpra a função dela que é ter lucro sim e que o governo pare de tributar PIS, Cofins, Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) e ICMS tanto gasolina quanto diesel e também o álcool. Por outro lado, nenhum governo estadual tem como reduzir, no nosso caso Rio Grande do Sul, ou tirar o ICMS dos combustíveis porque vai criar uma dificuldade maior ainda para as finanças públicas dos estados e vai derrubar praticamente todos os municípios do Rio Grande do Sul e do Brasil que dependem desse tributo que é o retorno do ICMS. É uma sinuca de bico que nós nos metemos em função da má gestão, da falta de entendimento, da falta de comunicação clara e que eu não consigo ver, por exemplo, o governador do Estado (José Ivo Sartori) reduzir o ICMS sem comprometer ou atrasar mais ainda o salário dos servidores e, consequentemente, um efeito cascata para as prefeituras.
Minha contribuição é essa: que tipo de empresa pública nós queremos? Uma empresa pública que há mais de 20 anos produz dois milhões de barris de petróleo e nós não somos capazes de refinar esse petróleo. Nós somos importadores de petróleo e importadores de óleo diesel e de gasolina. Não produzimos 100% da nossa gasolina e nosso óleo diesel no Brasil. Que tipo de modelo de empresa pública nós queremos para o Brasil? Ou a gente quer que ela se mantenha pública ou a gente quer que ela se privatize? Em sendo de uma ou de outra, acredito que o governo não deveria mais tributar nem a gasolina, nem o etanol, nem o óleo diesel, nem a querosene para que pudesse sempre trabalhar com o custo e com a margem da companhia e a população não pagar tanto tributo para poder ter mais renda e poder viver um pouco melhor nesse país que está tão sofrido.
ON: Na questão do impacto da paralisação dos caminhoneiros e de logística, como chegamos nessa dependência do setor rodoviário?
Adriano José da Silva: Nós nunca tivemos um Brasil de longo prazo, nem um governante. Vamos pegar um exemplo: a ferrovia Norte-Sul que foi delineada por (José) Sarney, em 1986. Era uma ferrovia que ia cortar o Brasil no meio. Nós estamos em 2018, 32 anos e ela não chegou nem na metade, não está conclusa. Nós não temos um projeto de longo prazo de infraestrutura. Fazer asfalto, vender caminhão, subsidiar a venda desses transportes sempre foi mais fácil do que pensar em uma ferrovia que demora X anos para ficar pronta e que demora a dar resultados. Hoje nós somos um país refém do transporte rodoviário porque o modelo de desenvolvimento econômico ficou baseado na questão da indústria automotiva e nós não pensamos que em algum momento essa junção de forças pudesse acontecer como está acontecendo agora. Qual é o projeto agora que nós estamos discutindo agora em 2018 para os próximos quatro anos na questão de logística? Quantos anos demora uma ferrovia para ser concluída? Então, foi o modelo adotado no país, sempre pensando no curto prazo, que levou a esse engarrafamento hoje dessas ideias e desse transbordamento de insatisfação popular e revolta com o atual modelo político e econômico do país.