Quando as redes sociais viram uma alerta

Alguns cuidados devem ser tomados: tempo gasto nos aparelhos eletrônicos em detrimento de outras tarefas e atenção à segurança do conteúdo acessado

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Professor Adriano CanabarroProfessor Adriano Canabarro
Professor Adriano Canabarro
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As tecnologias são extensões do intelecto humano, dos sentidos e das possibilidades. Elas possuem como característica essencial, a universalidade de utilização. Além de serem extremamente flexíveis, é possível se comunicar, gerar e consumir conteúdo. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a região Sul tem o terceiro maior percentual de usuários de internet, com 67,9%. Com isso, a tendência é que se use as tecnologias de forma extensiva.

 

“Se a antiga geração que não nasceu com a tecnologia de ponta nas mãos, já utiliza ela de maneira intensa, imagina as crianças de hoje que estão inseridas nesse mundo desde o princípio. A tecnologia é uma constante, e então começa a aparecer riscos, já que não se utiliza para algo específico, como outras tecnologias. O smartphone por exemplo, é possível usar para absolutamente tudo, e então se cria uma tendência de que a gente use de forma exagerada”, relata o líder do Grupo de Pesquisa em Cultura Digital, Adriano Canabarro Teixeira.

 

Nós já dependemos de rede. Se as redes de computadores sumissem agora ou saíssem do ar, do ponto de vista de funcionamento, basicamente todos os serviços do mundo parariam. Agora, do ponto de vista individual, existem alguns elementos que podem acender um sinal amarelo para quem navega na internet. O tempo ficou curto, perdeu algumas horas de sono nas redes sociais, o rendimento caiu pelo cansaço ou não houve dedicação suficiente em uma situação? Quando se deixa de fazer as tarefas habituais do dia-a-dia, seja da vida pessoal ou do trabalho, para poder estar nas redes, já pode ser considerado um sinal de dependência.

 

O ser humano precisa de limites e de diferentes estímulos, por isto é necessário criar uma rotina de utilização. “Ter momentos em que eu vou ter acesso à tecnologia e momentos em que não terei. Um elemento importante é criar momentos específicos em que a tecnologia não vai fazer parte, por exemplo, almoço, janta, fora ou dentro de casa, para que as pessoas possam não somente socializar com quem está próximo, mas também criar um momento de distanciamento da tela. Alguns donos de grandes empresas que tem seus impérios baseados na tecnologia digital, já implementaram o dia sem tela, ou seja, algum dia na semana eles não acessam nem computador, nem televisão ou celular. Acho que no mínimo é um indício de que de fato precisamos ter cuidado com a forma que utilizamos a tecnologia, e poder de alguma forma libertar essa dependência desenvolvida nas redes”, explica Teixeira.

 

O perigo para adultos

Não é apenas o fenômeno da compulsão em estar conectado que se torna um alerta. Como consumidores e produtores de conteúdo e informação, as redes sociais caem em cheio para a propagação de notícias a nível mundial e de forma constante. Antigamente, conhecido como a fofoca ou o boato, hoje, as notícias falsas ou fake news são uma percepção, que nem sempre possuem um fundo de verdade, e buscam interesses específicos.

 

A principal discussão se instaura acerca das informações equivocadas, erradas e que não correspondem à realidade. Teixeira explica que “isso sempre existiu, antes era com o boca a boca, mas agora com as redes a nossa boca pode chegar muitos mais longe, ou seja, em um compartilhamento, é possível atingir milhares de pessoas, em diferentes lugares. Nós estamos acostumados com o WhatsApp, onde se consegue ter grupos de 250 pessoas, mas existem outras ferramentas poderosas também, como o Telegram, onde se tem grupos de até 100 mil pessoas, então é muita informação que circula”.

 

A notícia falsa é um fenômeno que tomou seu pedágio nas eleições brasileiras deste ano e o WhatsApp atraiu atenção especial. Um estudo realizado por professores universitários e pela Agência Lupa, especializada em monitorar mídias sociais, entrevistou 347 grupos de bate-papo e encontrou apenas oito por cento de conteúdo preciso entre as imagens compartilhadas.

 

A missão da Organização dos Estados Americanos (OEA) que acompanhou as eleições deste ano no Brasil apresentou uma avaliação preliminar do pleito, na segunda-feira (29), em Brasília. O grupo, integrado por 30 especialistas de 17 nacionalidades e por seis pessoas que observaram a votação no exterior, destacaram, especialmente, o papel das fake news.

 

Foi proposto no documento final que o Conselho Consultivo do TSE sobre Internet e Eleições se torne uma instância permanente de debate sobre o fenômeno e seu impacto. O grupo criticou o uso maciço de desinformação durante a campanha, especialmente por meio da plataforma WhatsApp. A líder do grupo, Laura Chinchilla, classificou o fenômeno como algo sem precedentes. “A missão lamenta o uso irresponsável que vários setores políticos fizeram dessas ferramentas, que, quando empregada de forma positiva, podem contribuir ao intercâmbio de informação entre candidatos e eleitores e ajudar a autoridade eleitoral a aproximar a cidadania do processo eleitoral”, registrou o documento.

 

No segundo turno o balanço destaca uma intensificação deste fenômeno, indo para além do WhatsApp e aparecendo também em outras redes sociais. Mas este aplicativo, especificamente, trouxe desafios pela dinâmica de comunicação privada e mensagens criptografadas. “A natureza dessa ferramenta, um serviço criptografado de mensagens privadas, dificulta o já complexo combate à propagação de notícias falsas”, avaliou a missão.

 

Os especialistas reconheceram iniciativas de combate às notícias falsas, como as agências de checagem, as campanhas de esclarecimento do Tribunal Superior Eleitoral contra conteúdos enganosos e ações das próprias plataformas, como a derrubada pelo WhatsApp de centenas de milhares de contas por atuação com difusão massiva de mensagens (spam).

 

O texto defende o aprofundamento dessas medidas e campanhas de alfabetização midiática para os cidadãos, de modo a estimular que as pessoas não propaguem desinformação e chequem uma notícia antes de compartilhar. “A recomendação é ampliar esses esforços e promover uma atitude mais responsáveis de quem participa das contendas eleitorais”, destacou a líder da missão, Laura Chinchilla, na entrevista coletiva.

 

É importante que se crie uma cultura de verificação antes de repassar uma informação recebida, Para isto, existem possibilidades de validar as informações – buscar ler a notícia inteira e não apenas o título, saber a fonte e a autoria da notícia, digitalizar o título da notícia em sites de buscas para ver se outros meios de comunicação tem informações e analisar as outras matérias que o site possui, são técnicas para desmentir notícias.

 

Na última semana, foi divulgado que WhatsApp está tomando medidas contra empresas que trabalham para disseminar mensagens em massa com conteúdo falso ou fraudulento no Brasil, através do aplicativo. O comunicado diz que “centenas de milhares de contas” foram canceladas durante o período eleitoral no Brasil. “Temos tecnologia de ponta para a detecção de contas que exibem comportamento anormal, para que não possam ser usadas para espalhar spam de desinformação”.

 

O perigo para crianças

Mas e se até mesmo os adultos devem ter cuidado com a tecnologia digital, é de se imaginar o risco ainda maior para crianças e adolescentes. Uma das grandes preocupações é expor a identidade destes jovens na internet, ainda mais para pessoas desconhecidas. No grupo etário de 10 a 13 anos, o percentual de pessoas que utilizam a internet é de 82,5%, e entre os 14 a 17 anos, os indicativos do IBGE apontam para 85,4%.

 

Atualmente, a internet, através dos desafios virais atraem os pequenos através da chamada engenharia social – quando se ganha a confiança da criança e a envolve em um discurso que quando se passa de amigo para alguém que exige algum tipo de sacrifício, as crianças já não conseguem mais se libertar disto, pois nesse processo de engenharia social muitas informações já foram repassadas para os disseminadores dos desafios.

 

Mais recente, tem-se a Momo. Na verdade, é uma imagem recortada de uma escultura, de uma mulher-pássaro, em um museu no Japão. De fato, é impactante, mas que foi criada para poder usar como ameaça a quem se recusa resolver ou executar os desafios. “Quando as crianças começam a ver que as solicitações passam a ser abusivas, e elas de alguma forma querem se desvencilhar daquilo, então começa toda parte de extorsão, porque se busca as informações da crianças e da sua família na internet e pelo que já foi relatado ao disseminador, e aí as ameaças se miram nesta direção. Mas na verdade, ninguém vai sofrer nada, mas na sua inocência, as crianças acabam por ficar vulneráveis a isto”, ressalta Teixeira.

 

Adriano explica ainda que como a rede está conectada 24h, e as crianças têm acesso aos smartphones e aos computadores, os desafios virais costumam ocorrer em horários específicos, como às 3h da manhã, pois é um horário que eles estão sozinhos em seu quarto por exemplo, e aí se tem a dificuldade de contar para os responsáveis no momento exato.

 

Outro problema que existe na internet e representa um alerta para os jovens é o sexting. Essa prática consiste em um adulto que se faz passar por outra pessoa, seja um amigo ou uma outra criança, e que tenta ganhar a confiança da vítima e passa a solicitar fotos. “Se a criança pedir uma foto de volta, ele (o disseminador) manda uma foto de uma criança, que deve ter pego da internet. As vítimas, dependendo do quanto confiam naquela pessoa, vão enviando estes conteúdos e alimentando a troca de informações, até o momento em que se passa do limite aceitável. É aí que começa a extorsão. Ou você continua mandando essas fotos, ou vai ser liberado na internet, na escola e para os pais” esclarece Teixeira.

 

O cyberbullying é considerado outro problema quando se fala em redes sociais. Tão nocivo quando o bullying, esta prática acontece na intenção de prejudicar ou constranger outra pessoas. “O bullying está localizado no espaço e no tempo, se uma criança estuda em uma escola e sofre o bullying, ela se desliga desta escola e tem grandes de parar de ocorrer. Na internet, os atos destrutivos acompanham as crianças em um longo tempo” explica Teixeira.

 

Por fim, o especialista em cultura digital, orienta em relação as selfies, e pelo que ela mostra. Com a fotografia, geralmente um autorretrato da pessoa ou de grupos, é possível muitas vezes, identificar o local em que a pessoa mora, estuda e trabalha, saber quem são as pessoas próximas a ela e os últimos lugares que frequentou, já que é disponibilizada de forma instantânea nas redes.

 

Crianças e adolescentes que sofrem qualquer nível de ameaça, se sintam incomodadas ou constrangidas na internet, não somente pelos desafios virais, devem procurar de forma urgente a ajuda de um adulto. “Dados indicam que 25% dos jovens já forma de alguma forma vítimas de cyberbullying. Os problemas podem ser resolvidos de uma forma muito rápida, mas as crianças tem que estar de uma forma alertadas sobre os perigos, e os adultos devem estar abertos o suficiente para não punir e não reprimir, mas de fato ajudar e orientar essas crianças”, finaliza Teixeira.

 

Cultura digital

A cultura da digitalização dos processos e da criação. A cultura digital está vinculada as possibilidades de socialização e de transformação de produtos analógicos em soluções digitais. A capacidade de se comunicar ou mesclar produtos em uma linguagem digital acessível, e de perda das fronteiras globais e locais, já que não está mais restrito ao tempo e ao espaço. Além disso, é possível ter as ferramentas necessárias para se comunicar com pessoas de qualquer lugar do mundo e com muitas pessoas ao mesmo tempo, em diferentes intensidades. As redes se conectam e encurtam o mundo, gerando a possibilidade de criação do coletivo.

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