O Tribunal de Barlavento, em Cabo Verde, determinou a anulação do julgamento dos três velejadores brasileiros que estão presos no país, condenados por tráfico internacional de drogas em março deste ano no país africano. A decisão de suspensão do julgamento foi do dia 23 de novembro, mas os familaires ficaram sabendo do caso no dia 28.
A mãe do velejador, Daniel Guerra, preso em Cabo Verde, desde agosto de 2017, Fátima Guerra, 66, precisou ser internada, semana passada, na Unidade de Emergência Intensiva do Hospital Souza Batista, na cidade de Mindelo, em Cabo Verde. Diagnosticada com um quadro agudo de apendicite, ela enfrenta dores intensas e está sob efeito de fortes medicações. Segundo os médicos, se Fátima tivesse ficado mais uma noite sem ser medicada seu quadro seria fatal. Até o momento não houve declaração de intervenção cirúrgica. A previsão é que siga internada por pelo menos 10 dias e sem previsão de alta.
Fátima está com sua saúde se agravando pelo sofrimento de estar por todos estes meses morando na ilha. “Estamos sofrendo com a justiça de Cabo Verde por tanta demora para corrigir o erro do judiciário, e mais, não sabemos o que mais poderá acontecer,” declaram os familiares exauridos.
Em vídeo emocionado divulgado nas redes sociais o pai de Daniel e esposo de Fátima, Télio Guerra, lamenta a demora da ação da Justiça neste processo e cobra das autoridades que reflitam a consequência de manter os brasileiros presos injustamente. “Até quando Cabo Verde? Eu pergunto para os senhores até quando vamos esperar! Ontem eu pedia por favor, hoje eu pergunto: até quando?” questiona, em seguida pedindo orações para a melhora de Fátima.
Relembre o caso
A lembrança do sorriso largo e a alegria de viver que caracterizam o passo-fundense Daniel Guerra aperta os corações dos amigos que não o veem há mais de 14 meses. O velejador de 36 anos que já viajou centenas de quilômetros de bicicleta é conhecido pelo amor por exercícios físicos e o espírito de aventura e liberdade de se ver como parte do mundo. A aventura de bike foi narrada por ele nas redes sociais, na página que não teria um nome que combinasse mais com ele: LiberBike.
Daniel também é lembrado pela superação quando perto dos 18 anos teve que enfrentar um diagnóstico de câncer, episódio do qual saiu vitorioso. E é outra vitória que ele, amigos e familiares esperam, já que ele está preso em Cabo Verde após ser vítima da rota do tráfico no ano de 2017. O gaúcho e o baiano Rodrigo Dantas (26) foram contratados pela empresa holandesa The Yatch Delivery para transportar um veleiro inglês para os Açores. Mais tarde se juntou a tripulação Daniel Dantas (43).
Eles toparam participar do trabalho que tinha cara de aventura e foi narrada por todos em suas redes sociais para acumular milhas marítimas em suas carteiras profissionais. Para os profissionais desta área, quanto maior o número de milhas mais experiência e capacidade para desempenhar trabalhos marítimos, tornando o currículo melhor.
Início de um pesadelo
Em sua página do Facebook, momentos antes de acontecer a história que segue, Daniel Guerra contava que na travessia haviam enfrentado diversos desafios, como princípio de incêndio, furacões, ondas oceânicas grandes com ventos fortes, problemas elétricos e hidráulicos, motor fundido, problemas no gerador, entre outros. Mas agradecia, sem saber o que ia acontecer, pelo aprendizado de adquirir experiência marítima, seu único objetivo ao iniciar essa viagem: “Um veleiro escola, sem dúvida amei tudo isso e viveria tudo novamente porque sem isso que graça teria um desafio dessa proporção. Para muitos ler isso poderá ser um sofrimento, mas para mim uma alegria "its my job" que me motiva e me deixa mais vivo com gana de quero mais”.
Após sofrer com avarias na embarcação, os velejadores que estavam próximos de Cabo Verde e contando apenas com a vela do barco conseguiram chegar ao porto de Mindelo e pedir socorro. A Ilha é considerada uma das portas de entrada do Tráfico de Drogas da América Latina para a Europa. Nesta paragem, que aconteceu acidentalmente, a polícia encontrou mais de uma tonelada de cocaína escondida num compartimento cimentado embaixo dos tanques de combustível.
O fato surpreendeu principalmente os tripulantes, que receberam voz de prisão sem ter a mínima ideia do que estava acontecendo e do que aconteceria a partir dali. Desde então se passaram quatorze meses e os brasileiros seguem presos, apesar do esforço de seus familiares em provar sua inocência.
No processo, o relatório da Polícia Judiciária de Cabo Verde informou que, antes da vistoria, havia recebido uma denúncia de que havia drogas a bordo do veleiro. O relatório também registra que os policiais esperavam encontrar a tripulação inglesa original - George Soul (Fox), Mathew Bolton e Robert Delbos – e que foram surpreendidos pela nova equipe composta pelos 3 velejadores do Brasil e um da França.
Apesar das provas periciais, documentais e testemunhais atestarem que eles não sabiam que transportavam droga os 4 foram condenados, em março, há 10 anos de prisão. George Soul, dono do veleiro, está foragido. Ele foi indiciado pela PF e teve a prisão preventiva decretada pela Justiça brasileira.
Uma luz no fim do túnel
Inicialmente o juiz cabo-verdiano se negou a incluir no processo o inquérito da Polícia Federal do Brasil que inocentava os velejadores, dizendo que este documento foi “encomendado pela defesa” e rejeitou testemunhos importantes, como o do delegado-chefe que conduziu a inspeção no Brasil. Porém, diante de recurso encaminhado pelos advogados dos velejadores brasileiros, o inquérito passou a ser considerado pela justiça cabo-verdiana, que no último dia 23 de novembro emitiu uma decisão revogando o despacho que condenava em primeira instância os brasileiros.
O Tribunal da Relação do Barlavento (TRB) concluiu que “o despacho é ilegal e injusto pelo que deve ser anulado e ordenada a subida a recurso assegurando os direitos legais e constitucionais do arguido”. A defesa comemorou o documento que admite que “a produção da prova constitui uma das vertentes do Direito de acesso ao Tribunal e das garantias de defesa pelo que a decisão que recaí sobre essa matéria não pode revestir da característica da discricionariedade” abrindo assim a possibilidade de um novo julgamento, com as testemunhas que se encontram no Brasil e utilizando a documentação levantada pela PF brasileira.
Os jovens e familiares aguardam, ansiosos e cheios de esperança, que com a anulação da primeira audiência possam responder em liberdade, considerando os documentos que provam sua inocência e sua total falta de conhecimento sobre a carga inserida no barco pelo dono do mesmo, George Soul. Liberado para contato telefônico de dentro da penitenciária semanalmente Daniel Guerra, que sempre teve o costume de ver o lado bom das coisas, diz que tem tentado fazer o mesmo diante desta triste experiência.
“Não tenho palavras para agradecer o que família e amigos estão fazendo por nós. Eu acredito nessas pessoas que nos conhecem, sabem nosso passado, nosso caráter, nossa conduta. Nada melhor que a família e os reais amigos nessa hora que é um momento difícil, triste e complicado. Eu tento pensar o lado positivo da coisa, é um momento que tem que crescer, ver as coisas, mudar nosso senso e evoluir neste sentido,” desabafa Guerra.
"Não vemos a hora de trazer nosso amigo de volta para casa, para que ele possa continuar suas aventuras pelo mundo e espalhar sua alegria e amizade como sempre foi. Porque essa é a marca de nosso amigo Guerra: o cara é só positividade e amizades,” confessa o amigo Leandro Rodrigues Marcon.