Os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos são comemorados nesta segunda-feira. O texto que garante os direitos de todas as pessoas a viverem com dignidade é, muitas vezes distorcido, e usado de forma a se criar uma falsa ideia sobre o seu teor. Na edição de hoje, você confere a entrevista com a professora Patrícia Noschang que é doutora em Direitos pela Universidade Federal de Santa Catarina e professora da Faculdade de Direito e do Mestrado em Direito da UPF.
ON - Quem define, ou definiu, o que são direitos humanos?
PN - Direitos humanos são aqueles inerentes à condição de ser humano, iniciaram na história como direitos naturais. Assim como afirma Norberto Bobbio, eles não nascem todos de uma só vez e nem de uma vez para sempre. Foram conquistados ao longo dos séculos. E como afirma Hannah Arendt estão em constante processo de construção e reconstrução. Foram sistematizados pela primeira vez na Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) em 1948 em uma Resolução da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas. Este documento não tem caráter vinculante aos Estados que fazem parte da ONU mas indica um padrão ético e moral a ser seguido pelos Estados que fazem parte da ONU. A DUDH buscou muito de seus fundamentos nos ideais da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, originária da Revolução Francesa (igualdade, liberdade e fraternidade), na Carta de Direitos de 1791 dos Estados Unidos e na Declaração de Direitos de 1689 da Inglaterra (Bill of Rights).
Importante ressaltar que os direitos humanos estão na esfera de proteção internacional como a Organização das Nações Unidas ou em âmbito regional pela Organização dos Estados Americanos, no caso do Brasil. Também ressalta-se que estão escritos nos tratados originários dessas organizações internacionais bem como também estão previstos em documentos ou tratados de outras organizações internacionais. Quando os direitos humanos são incorporados no âmbito interno dos Estados (países) eles passam a ser chamados de direitos fundamentais. Assim como está na Constituição Federal do Brasil de 1988 que também faz 30 anos em 2018.
ON - É possível se dizer que uma pessoa merece ou não ter acesso a direitos humanos?
PN - Os direitos humanos devem ser garantidos a todos e a todas pelo simples fato de sermos humanos. Todo indivíduo deve ter acesso aos seus direitos que são garantidos pelo Estado como direitos fundamentais incluídos na Constituição Federal e pelos tratados ratificados pelo Brasil em matéria de direitos humanos.
ON - Hoje, a sociedade vive em constantes violações de direitos humanos, especialmente no que diz respeito às pessoas em situações de vulnerabilidade social. Na sua opinião, quais são os direitos humanos mais desrespeitados?
PN - Entendo que não existem mais ou menos direitos violados e todos os direitos previstos na Constituição Federal devem ser respeitados, mas pode-se falar hoje que algumas violações requerem mais atenção atualmente como os direitos dos povos indígenas, a prevenção da violência contra mulher, questões de gênero, o respeito à dignidade da pessoa que está cumprindo pena em presídios superlotados, direito à moradia, erradicação do trabalho escravo, o respeito e a tolerância com os imigrantes, entre outros.
ON - Qual a relação entre democracia e direitos humanos?
PN - Entende-se que somente um estado democrático de direito pode dar conta de garantir os direitos humanos e fundamentais. Basta observar que em estados totalitários e onde a democracia está mascarada e não há garantia total de proteção aos direitos humanos. Um exemplo foi a retirada (denúncia) da Venezuela da Convenção Americana de Direitos Humanos em 2013.
ON - Qual deve ser o papel do estado na garantia dos DH?
PN - O Estado tem o dever de garantir os direitos previstos tanto na Constituição Federal, quanto os previstos nos tratados que ratificou. Uma das maneiras é na elaboração de políticas públicas para evitar a violação desses direitos.
ON - Em casos de crimes violentos (agressões físicas e sexuais, homicídios, assaltos com violência e mortes) é muito comum ouvir as pessoas desejando que se torture e até sejam mortos os responsáveis, isso sem contar os casos em que, efetivamente, as pessoas fazem justiça com as próprias mãos. Nesta situação, qual o papel dos DH e quem deve defendê-los?
PN - Todos têm direito a uma defesa e a um julgamento justo por mais hediondo que seja o crime cometido. Nada justifica a prática de tortura. Esses direitos estão contidos na DUDH e garantidos no ordenamento jurídico brasileiro.
ON – O que acontece em casos em que o Brasil viole os tratados internacionais de direitos humanos?
PN – Se o Estado, no caso do Brasil, violar direitos contidos, por exemplo, na Convenção Americana de Direitos Humanos (conhecida também como Pacto de São José da Costa Rica) a pessoa ou um grupo de pessoas que não conseguiu reparação a esses direitos na esfera nacional (após esgotar os recursos internos - se for possível) pode buscar a reparação a esses direitos contra o Brasil encaminhando uma petição (sem a necessidade de advogado) para a Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Um exemplo foi o caso da Maria da Penha que deu origem a Lei 11.340/06 que criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Se não for possível resolver no âmbito da Comissão, essa pode levar o caso a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Em 2017/18 o Brasil foi condenado em quatro casos por violar direitos indígenas no caso do Povo Indígena do Xucuru, pela prática de trabalho escravo no caso dos Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde e no caso da Favela Nova Brasília por homicídios e violência sexual praticadas pela polícia civil em duas operações ocorridas em 1994 e 1995 no Rio de Janeiro. Este ano saiu também a condenação no caso do jornalista Vladmir Herzog que morreu em decorrência de atos de tortura praticados nas dependências do DOI/CODI em 1975.