Quando o assunto é alimentação vegana, é comum associar o termo àquele velho estereótipo de pessoas que não comem nada além de frutas e verduras. A realidade, no entanto, é outra. Embora veganos não consumam nenhum produto e serviço de origem animal, praticamente todas as receitas tradicionais (que levam ingredientes como carne, leite e ovo) podem ser adaptadas. Estabelecimentos que oferecem opções ao público vegano também vêm ganhando força, desde que o crescimento no número de pessoas adeptas a essa concepção de valores motivou novas formas de negócio. Em Passo Fundo, durante a época de Páscoa, já há até mesmo quem produza ovos de colher totalmente veganos.
Proprietário da Alice Doces e Salgados, Anderson Roman oferece opções veganas de confeitaria há dois anos. Entre os produtos, estão bolos, rapaduras, mousses, bombons, biscoitos e brigadeiros. Além, é claro, dos ovos de chocolate artesanais, que começam a ser produzidos próximo ao feriado de Páscoa e não deixam a festividade passar em branco para quem é vegano. Para prepará-los, Anderson conta que utiliza principalmente chocolate belga. “É um chocolate sem leite. Ele é composto basicamente por cacau, então quem é vegano pode consumir. Por valorizarmos alimentos crus e orgânicos, também trabalhamos bastante com recheios de fruta”, explica o cozinheiro. O preço é similar ao dos ovos tradicionais. Ainda de acordo com ele, outros itens ganham substitutos para atender a esse público: mousses de chocolate podem ser preparados com óleo de coco; chantilly dá lugar à aquafaba; leite vegetal, ao invés de leite de vaca, serve para preparar leite condensado; entre outras alternativas.
A ideia de oferecer produtos veganos aconteceu de forma natural para Anderson. Alguns doces que ele produzia já eram acidentalmente veganos – a receita original não exigia nenhum ingrediente com origem animal – e, outros, foram sendo adaptados aos poucos conforme a demanda. “Apesar de trabalhar com produtos que têm carne, eu sou vegetariano, então me sinto no compromisso de tentar oferecer mais opções porque percebo que há falta. O meu plano é que, futuramente, a empresa se torne totalmente vegana. A escolha de oferecer os ovos de Páscoa sem vínculo animal é um passo para isso”, conta.
O mesmo acontece no Pé de Fruta, empresa que vende somente alimentos veganos e sob encomenda. Composto por duas mulheres, as empresárias Juliana Martini Jarabiza e Tamara Andrade, o espaço surgiu da vontade que elas tinham de levar para as pessoas uma alimentação saudável e saborosa, sem nada de origem animal, algo que era também motivado por uma necessidade pessoal delas. Embora não trabalhassem em áreas relacionadas à cozinha, Juliana e Tamara se apaixonaram pela culinária vegana testando as receitas para elas mesmas. “Nós nos tornamos inicialmente ovolactovegetarianas. Temos bichinhos, amamos muito todos eles e começamos a nos questionar o porquê de amar uns e comer outros, e dali pra frente não fez mais sentido continuar comendo carne. Depois disso começamos a pesquisar sobre o assunto e nos aprofundar mais, então tivemos um conhecimento maior sobre a exploração na indústria dos ovos, do leite e em outras áreas que utilizam os animais de uma forma muito cruel, e resolvemos virar veganas. A decisão de fazer os ovos é para proporcionar aos veganos, inclusive a nós, uma Páscoa deliciosa. Afinal, todo mundo merece comer chocolate!”, brinca Juliana.
Assim como Anderson, Juliana e Tamara priorizam a utilização de chocolates meio amargo e amargo durante a produção dos ovos, por serem naturalmente compostos sem leite. “Sempre que é necessário utilizar leite, utilizamos leites vegetais. Em alguns casos nem é necessário substituir, como nos bolos, por exemplo. Todo vegano que se preze já descobriu que bolo sem ovo e sem leite cresce sim e fica delicioso e fofinho”, explica a vegana. É tão possível que as quatro opções de ovos de colher veganos produzidas pelo Pé de Fruta não perdem em nada para aquelas que levam leite: o Ovo Palha Italiana, por exemplo, tem casca de chocolate meio amargo e recheio de brigadeiro a base de leite condensado de amendoim com biscoito integral artesanal. Já o Ovo Cacau 70% tem casca de chocolate amargo recheada com pasta de amendoim e coberta com amêndoas, nozes, castanha de caju, castanha do Pará, damasco, goji berry e cranberry. Há ainda o Ovo Alfajor e o Ovo Chocolatudo.
Demanda crescente
Embora o mercado de ovos veganos seja significativamente menor que o de ovos tradicionais, Anderson Roman acredita que o mercado tende a expandir. “A princípio, Passo Fundo ainda não é uma região onde exista uma grande demanda, mas acompanho canais e redes e percebo que aos poucos mais pessoas estão se conscientizando, procurando alimentos veganos e sentindo falta de pessoas que produzam isso. Sem falar que muitas pessoas, mesmo sendo veganas, não sabem que existem lugares em Passo Fundo que fazem ovos de Páscoa assim. Então ainda pode crescer muito conforme mais pessoas ficarem sabendo. Acredito que esse é o futuro para que haja menos impacto no meio-ambiente e, principalmente, menos sofrimento animal”, defende.
Em consonância, Juliana Jarabiza comenta que, mesmo com poucos estabelecimentos do município que oferecem opção vegana no cardápio, ela percebe que a demanda por esses produtos tem crescido. “Acho que é só uma questão de tempo para termos mais opções em barzinhos e lanchonetes. Aqui [no Pé de Fruta] também temos tido uma boa procura, o pessoal ficou bem feliz com os ovos. Participamos da nossa primeira feirinha em novembro do ano passado e daí não paramos mais. No momento não temos loja física, trabalhamos somente com encomendas, mas sempre participamos das feirinhas do Cardume Arteiro, que agora serão mensais, e da Feira Vegana de Passo Fundo, que será bimestral a partir de junho”.
Número de vegetarianos no Brasil
O crescimento na demanda por produtos livre de crueldade animal segue um cenário nacional. Segundo uma pesquisa do IBOPE Inteligência, realizada em abril de 2018, 14% da população brasileira se declara vegetariana. Isto representa quase 30 milhões de pessoas. Em 2012, esse número não passava dos 8%. Compõem o dado os chamados ovolactovegetarianos, que não consomem carne, mas ainda consomem outros produtos de origem animal, como ovo e leite; os vegetarianos estritos, que não comem alimentos como carne, leite, ovo e mel, mas podem consumir outros produtos com alguma relação animal; e os veganos, que além de manterem uma dieta vegetariana estrita, também não usam roupas de couro e de seda, são contra empresas que fazem testes em bichos e não frequentam ambientes que utilizem serviço advindo de trabalho animal, como circos, rodeios e zoológicos.