Chovia muito na tarde de sexta-feira (10) quando cerca de 100 pessoas, aos poucos, foram chegando à Mesquita SheikhJamal Al Haddad, na Rua Quinze de Novembro, em Passo Fundo. O barulho da chuva que caía sem trégua do lado de fora abafava os clamores altos ouvidos no lado de dentro do templo durante mais uma oração feita pelos adeptos ao Islamismo na cidade, na semana em que iniciou o mês sagrado do Ramadã.
Nono mês do calendário lunar islâmico, o período começou em 5 de maio e se estende até 4 de junho quando os muçulmanos estão submetidos a uma renovação da própria fé e a uma vivência mais acentuada dos escritos presentes no Alcorão, revelados pelo profeta Muhammad. “É muito importante para o muçulmano buscar conhecer a própria religião”, explica o presidente da Associação Muçulmana de Passo Fundo, Muhammad Lucena, enquanto tira os sapatos para subir ao segundo andar.
Os pares de calçado que se enfileiram na soleira da escada demonstram o respeito pelo ambiente de oração frequentado por senegaleses, imigrantes de Bangladesh, sudaneses, marroquinos e brasileiros convertidos ao Islã, no município. De acordo com Lucena, a comunidade muçulmana em Passo Fundo congrega em torno de 950 pessoas. Desse total, 40 famílias são brasileiras, incluindo a dele, adeptas à religião que mais cresce no mundo e que até o final do século estima-se ultrapassar o Cristianismo em números absolutos de fiéis no planeta, segundo o Centro de Pesquisas Pew, dos Estados Unidos “Às vezes, temos que pedir para trancar a rua para que a gente consiga receber todo mundo que vem aqui rezar”, revela Muhammed.
Um jejum que vem do coração
Durante os trinta dias que compreendem o Ramadã, o quarto pilar de sustentação da vida islâmica é o que norteia as celebrações do período sacro. Segundo Lucena, o jejum praticado, diariamente, do alvorecer ao pôr-do-sol é um método de autopurificação espiritual. “Você passa a olhar as pessoas e a sociedade com mais humildade porque, embora tenha a possibilidade de comer, você não come. Então, o jejum te aproxima dos mais carentes para entender o que acontece com eles. Mas, tem que ser um jejum completo, não só de comida, mas de palavras e atitudes”, esclarece.
Além do jejum, o testemunho da fé (Shahada), as cinco orações diárias, chamada pelos muçulmanos de Salah e feitas voltadas à cidade sagrada de Meca, localizada na Arábia Saudita; bem como a doação de parte dos bens materiais às pessoas necessitadas, denominada Zakat, e a peregrinação até Meca, ao menos uma vez na vida do muçulmano, para os rituais do Hajjconstituem a base da fé e orientação de conduta para a vida dos fiéis ao Islamismo.
A mulher no biombo
A impressão que se tinha era de que o mundo todo cabia na MesquistaSheikhJamal Al Haddad. Homens ao chão sustentando no colo o livro sagrado aos muçulmanos que revela a palavra de Alá; de joelhos, clamando ao seu Deus, mãos em face ou estendidas ao mesmo céu que ainda não havia cessado a chuva. No tapete macio, a passo-fundense Fátima Khanom, de 22 anos, último dos quais dedicado à adaptação e vivência da fé islâmica, ajeita o hijab rosado que cobre todo o cabelo e os ombros. “No início, aqui em Passo Fundo, foi muito difícil por causa do hijab e do preconceito. Às vezes, eu ando na rua e algumas pessoas ficam me observando como se eu fosse um bicho”, desabafa.
Casada com um imigrante de Bangladesh, Fátima permanece atrás do biombo vazado colocado na mesquita para “dar privacidade às mulheres que frequentam o espaço”, como afirma o presidente da Associação Muçulmana de Passo Fundo, Muhammad Lucena. “Durante o mês do Ramadã, não é permitido manter relações matrimoniais. Então, se um muçulmano vem até aqui para rezar e, de certa forma, há cobiça, a intenção de purificação do Ramadã se perdeu para ele. Há muito mito sobre isso, mas toda discriminação vem da falta de informação”, menciona. O jejum nesse período só é dispensado às mulheres gestantes, lactantes, em período menstrual ou às demais pessoas incapacitadas por alguma debilidade de saúde. No início do dia e ao término do período da abstinência de alimentação, há o preparo de uma refeição, compartilhada entre todos os muçulmanos, para caracterizar a quebra do jejum deste dia. O mês sagrado para os muçulmanos termina em 4 de junho com o Eid al-Fitr, festividade que significa, literalmente, o último dia do Ramadã.