Os olhinhos marrons que parecem sorrir para a foto pertencem à pequena Sophia da Silva Guimarães. Aos quatro anos de idade, ela teve parte do fígado transplantado depois de ser diagnosticada com uma doença hepática. Ainda em desenvolvimento no útero da mamãe Bruna Silva dos Santos, Sophia foi diagnosticada com uma patologia biliar que a obrigou a ser submetida à primeira cirurgia logo após os primeiros 30 dias de vida.
A cirurgia de Kasai, como conta Bruna, foi recomendada pela equipe médica pediátrica do Hospital São Vicente de Paulo (HSVP) junto a uma biópsia para investigar um possível tumor. O diagnóstico de câncer, no entanto, foi descartado. No lugar, os profissionais de saúde detectaram uma colangite – enfermidade que inflama os canais biliares, responsáveis por conectar o fígado à vesícula biliar. Em novembro de 2016, os pais descobriram uma cirrose hepática que, ainda que em grau leve, precisaria ser tratada com transplante.
A partir de então, começou a jornada em busca de informações. “Na nossa cabeça, pensamos que os cirurgiões só fariam o transplante de um doador-cadáver. Mas, aos poucos, fomos conversando com o doutor e ele nos contou que poderia ser um doador vivo”, continua.
Menos de três meses depois, em janeiro de 2017, o telefone do casal tocou. “Olha, Bruna, nós precisamos conversar porque chegou a hora do transplante”, disse o gastroenterologista pediátrico Gustavo Castro. A surpresa pelo comunicado e pela urgência de ter um doador despertou um temor nos jovens pais.
A angústia de Bruna, contudo, não durou muito tempo. “Ainda em janeiro, o Vilmar fez todos os exames em Porto Alegre e ele era um doador compatível. O transplante foi marcado para 13 de fevereiro de 2017. A partir desse momento eu me vi louca”, recorda. A coordenadora de Centro de Captação de Órgãos do HSVP, Fabiana Dal Conte Buzatto, explica que o fígado é um órgão que se regenera e, portanto, pode ser feita com o doador ainda em vida. Segundo Fabiana, a fila de espera para um transplante aumentou na região de abrangência do HSVP.
Segundo a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), cerca 660 crianças esperam por um órgão no Brasil. Desse total, 55 pequenos pacientes aguardam por um doador compatível de fígado, assim como a pequena Sophia necessitou. “Os riscos para o doador são muito pequenos. Ainda tem muito preconceito a respeito disso”, acredita Bruna.
“Agora é a minha vez”
As 12h de procedimento e a doação do órgão deram, portanto, uma oportunidade de desenvolvimento à menina e ressignificou os laços familiares. “Eu logo falei que queria doar, mas meu marido disse que ele ia ser o doador porque ‘eu já estava fazendo meu trabalho como mãe e tinha dado à luz’. Dissemos que a Sophia é o nosso bebê arco-íris porque depois da tempestade ela chegou”, externa.
Para Bruna, a concepção de doação de órgãos sofreu uma alteração depois que o ato proporcionou uma sobrevida à filha. Agora ativista pela causa, ela assegura ir a palestras e hospitais para abordar o tema junto às demais famílias. “Doar órgão é dar vida a outras pessoas. Com um olhar ao outro, naquele momento de dor, a família se sensibiliza e permite que a vida continue em outro corpo”, declara.