O drama do desemprego

Sem conseguir ocupação com carteira assinada, famílias relatam as dificuldades financeiras e psicológicas que enfrentam diante da informalidade

Por
· 5 min de leitura
Você prefere ouvir essa matéria?
A- A+

A formatura de Kalena Duarte estava marcada para esta sexta-feira (26). Aos 22 anos, ela concluiu o ensino médio. Com o grau, espera que o “vamos retornar para agendar a entrevista” se concretize. A jovem foi dispensada do último emprego, há alguns meses, sob a justificativa da falta de qualificação. A alegria e o orgulho por ter finalizado os estudos dividem espaço com a preocupação que compartilha com outros 13 milhões de brasileiros. São as pessoas que integram o índice de desocupação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os dados, da pesquisa trimestral de maio, mostram que o indicador está, estatisticamente,estável tanto frente ao trimestre anterior como em relação a igual período de 2018. Ou seja, o número de desempregados está na casa dos 13 milhões já faz pelo menos um ano.

Neste mês, uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revelou uma outra face do drama dessas famílias. Cresceu o número de brasileiros que estão desempregados há mais de dois anos. A comparação, feita entre os primeiros trimestres de 2015 e de 2019, aponta um aumento de 42,4% no dado. A avaliação do Instituto ainda mostra que, no primeiro trimestre de 2019, quase um quarto das casas brasileiras viveu sem renda decorrente de trabalho. No mesmo período de 2014, o índice estava em 19%. Neste ano, atingiu 22,7%.

Como os dados são medidos no âmbito nacional, não há números específicos, destas pesquisas, sobre a realidade em Passo Fundo. As informações da FGTAS/Sine apontam que os passo-fundenses demoram entre nove e 12 meses para retornar ao mercado de trabalho, depois que encaminham o benefício do seguro-desemprego. No ano passado, foram solicitados 10 mil auxílios. O número pode servir como termômetro, mas não deve ser utilizado como dado que represente a realidade do desemprego porque o benefício não é concedido a quem pede desligamento ou é demitido por justa causa, conforme Ferrari.   

O período que o passo-fundense demora em retornar ao mercado de trabalho, de acordo com a estimativa apresentada pelo coordenador da agência, Sérgio Ferrari, é bem menor do que o identificado na pesquisa do Ipea. De acordo com ele, isso se deve ao fato de Passo Fundo ser um polo. Com o destaque, o município conseguiu atrair altos investimentos nos últimos anos, mesmo durante a recessão econômica.

Ferrari relaciona os empreendimentos com o balanço positivo, no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), que foi registrado nos últimos dois anos, em Passo Fundo. Totalizando próximo de duas mil novas vagas de trabalho. Ainda assim, a estimativa da agência FGTAS/Sine é de que o número de desempregados esteja entre cinco a sete mil pessoas na cidade.

Quando não conseguem emprego com carteira assinada, acabam caindo na informalidade. Durante os períodos de desemprego, Kalena recorre a serviços com limpeza para poder garantir o sustento da filha de três anos. No período atual, a única fonte de renda segura dela é o valor mensal que recebe do programa Bolsa Família.

Por razões distintas, seja a qualificação ou a crise econômica, as famílias ouvidas pela reportagem passam por dramas semelhantes: precisam colocar comida na mesa. A luta constante pela renda é uma das facetas de quem não está empregado. Na informalidade, há ainda o desamparo dos direitos trabalhistas e as subjetividades das pessoas que carregam o estima relacionado à condição, já que o trabalho é constantemente associado como uma fonte produtora de moralidade e dignidade humana.

 

“Nos postos da avenida, já larguei currículo em todos”

Juliano da Rosa Oliveira, de 21 anos, está há oito meses sem carteira assinada. Atualmente faz bico como taxista. Foi o que conseguiu para prover o sustento dele, do filho recém-nascido e da esposa. A ideia é que o trabalho seja temporário. Já que na informalidade a garantia de direitos fica cada vez mais inacessível e não há sensação de segurança financeira. Ainda, a demanda é maior no turno da noite, o que lhe deixa apreensivo em deixar a esposa e o filho sozinhos em casa.

Juliano já trabalhou com venda de gás e como entregador temporário dos Correios. Quando acabou o contrato, que era de um mês, começou a peregrinação. Nos últimos meses, perdeu as contas de quantas empresas visitou. “Já fui por tudo. Nos postos [de combustíveis] da avenida, já larguei currículo em todos. Mercados, indústrias. E não é por falta de ir ajeitado. Sempre ajeito o cabelo, coloco uma roupa boa. Eu não entendo”, diz ele.

Dos mais de 50 currículos, que estima ter imprimido, a resposta é sempre a mesma: “eles falam sempre que vão retornar para fazer entrevista, e não ligam”.

 

Currículo bom demais pra vaga

Tem pelo menos três anos que o drama da família de Luis Rogério Vieira gira em torno de trabalho. O chefe da casa, provedor de cinco filhos, tinha um cargo de supervisor. Estava há 16 anos em uma indústria de Passo Fundo. Salário bom. Foi demitido em 2016, no auge da crise. “Ele ficou no seguro-desemprego e logo conseguiu emprego em outro lugar, mas com salário mais baixo”, conta a esposa, Cislene Machado.

No momento da entrevista, Luis estava na rua. Tinha saído para vender os alimentos (massas, cucas, bolos, entre outros) feitos pela esposa. Essa é hoje, a única fonte de renda da família. Há a esperança de reconquistar o auxílio BPC, cancelado após um erro do hospital na última vez que o filho mais velho, que tem paralisia infantil, ficou internado. No sistema, aparecia como falecido.

A suspensão do valor, de um salário mínimo, veio no período em que Luis também ficou sem renda, em setembro de 2018. Como o primogênito, estava no hospital, Cislene não conseguia cuidar sozinha dele e dos outros quatro filhos, de 15, 13, 11 e 9 anos. Luis saiu do mercado, onde trabalhava desde 2016, para ajudar a cuidar dos filhos.

Desde que o guri melhorou, já rodou a cidade entregando currículo. Tentou até em cidades vizinhas, só negativas. “Ele escuta que o currículo dele é muito bom, que ele tem uma profissão e que não tem vagas em aberto pra ele”, explica a esposa.

 

“Sem estudo, é difícil”

Kalena relata discriminação pela condição social. É moradora de uma ocupação da cidade. A jovem morou fora de Passo Fundo por um período. Quando retornou, há alguns anos, teve dificuldades para conseguir um emprego com carteira assinada. “Sem estudo, é difícil né”. Por fim, conseguiu uma vaga para trabalhar em ummercado, mas foi dispensada há dois meses. “Foi por falta de qualificação”, acrescenta, sobre a justificativa da dispensa.

Quase sem renda, não pode mais pagar aluguel. “Se já é difícil [sobreviver] aqui, imagina pagando aluguel”, acrescenta. Porém, o endereço acabou se tornando mais um empecilho para conseguir ingressar no mercado de trabalho. Só no dia em que conversou com a reportagem, já havia entregado 10 currículos. Disse que na semana seguinte a formatura, visitaria outras empresas. A jovem tem esperança de que a conclusão do ensino médio facilite na busca por emprego.

 

Desemprego e vulnerabilidade

O desemprego é a principal dificuldade de pessoas que vivem em ocupações irregulares e ou estão em situação de vulnerabilidade social, conforme a voluntária da SOS Vidas, Alessandra Moreira. Estudante de Serviço Social, ela participa de trabalhos comunitários há 18 anos. Quando chega ao local, relata que a principal dificuldade, geralmente está relacionada à falta de informação. Após fazer o atendimento urgente, que em geral envolve doação de alimentos, roupas e móveis, ela faz os encaminhamentos. De acordo com ela, objetivo não é sanar as necessidades temporariamente, mas prover as ferramentas para que a pessoa consiga sair da situação de vulnerabilidade social.

O projeto da SOS Vidas começou para prestar apoio a animais de rua. Como recebia muitos pedidos de ajuda de moradores quando ia atender os bichinhos em ocupações, Alessandra passou a se envolver com a causa. Quem tiver interesse em fazer doações para o projeto pode entrar em contato com os voluntários. O perfil de Alessandra é “Alinha BM”, como é popularmente conhecida.

Gostou? Compartilhe