Predominantemente acinzentados na maior parte do ano, quando o Dia de Finados se aproxima os cemitérios ganham pequenos pontos de cor. É que levar flores aos túmulos de entes queridos tornou-se, para muitos, uma tradição sagradamente celebrada todo dia 2 de novembro. Nos cemitérios de Passo Fundo, a semana que antecede o feriado de Finados tende a ser marcada pela movimentação intensa de quem, como Ione Couto, de 66 anos, aproveita a data para limpar o espaço onde estão enterrados alguns de seus familiares. Com a ajuda do marido, João Francisco Rigo, ela carrega até o Cemitério Municipal da Vera Cruz produtos de limpeza e plantas decorativas. Enquanto os primeiros servem para higienizar os túmulos, os outros são cuidadosamente organizados em vasos em uma tentativa de embelezar a área.
Enquanto corta algumas flores de plástico para que caibam no vaso de mármore que enfeita a sepultura de familiares, Ione conta manter há quase 30 anos o hábito de visitar o cemitério no Dia de Finados. “Comecei a frequentar para visitar onde foi enterrado meu primeiro marido e meu pai. Hoje, venho também para visitar o túmulo dos pais da minha sogra. É a única data em que eu venho, no resto do ano é muito difícil. Como sou espírita, para mim, não tem nada aqui. Embaixo desse túmulo, só tem ossos, as pessoas já partiram. Não me sinto muito bem em vir. Tento lembrar deles como eles eram enquanto estavam vivos e prefiro rezar e pedir orações fora daqui, mas mantive o hábito de vir no feriado de Finados para organizar e tentar deixar mais bonito”, comenta.
Quem repete o gesto, no mesmo cemitério, é Terezinha Aparecida Alves. Na quarta-feira, três dias antes do feriado, a mulher de 51 anos passou a tarde na companhia do filho dedicando cuidados ao jazigo onde estão enterrados seu sogro, sobrinho e cunhados. Rindo, ela lembra, como se poucos anos tivessem se passado, do episódio em que um de seus cunhados provocou-a dizendo: “quero ver se quando eu morrer você vai me visitar”. “Então você vai ver, eu irei todos os dias”, rebateu Terezinha, tirando a resposta da ponta da língua.
Na época, Terezinha não sabia que o diálogo trocado com o cunhado seria uma espécie de promessa – mesmo que não ao pé da letra. “Já faz mais de uma década que eu e meu marido temos o hábito de vir aqui todos os fins de semana, não só no Dia de Finados. A gente vem, visita, limpa, reza. Eu, meu sogro e meu cunhado tínhamos uma relação muito próxima. Era como se fossem um pai e um irmão para mim. Eu queria que eles estivessem vivos, não queria ter que vir aqui... Não sei explicar o sentimento. É uma data triste e ao mesmo tempo alegre porque, apesar da perda, a gente visita com muito carinho. Acabou se tornando uma tradição de família”.
Ione e Terezinha compõem o principal público que passa pelos cemitérios do município nas vésperas de 2 de novembro: familiares que encontram no gesto de cuidado para com as sepulturas um meio de expressar a importância que aqueles entes ali enterrados tiveram em suas vidas, além de externar o sentimento deixado pela cicatriz da perda, seja ele de carinho ou de dor. Há ainda, por outro lado, quem mantenha um costume um pouco diferente. Aos 54 anos de idade, a passo-fundense Maria Rúbia dos Santos, por exemplo, passou a maior parte da vida reservando a data para a realização de serviços de limpeza no cemitério da Vera Cruz. “Eu venho há 32 anos para limpar, pintar e enfeitar os túmulos de clientes. Começou com meus pais e, depois que eles faleceram, eu assumi toda a freguesia. Tem clientes que eu atendo há 26 anos. Muitos, são famílias de outras cidades, que não podem vir até aqui limpar e, por isso, pedem que eu venha. Só hoje eu já pintei seis túmulos. Dá para tirar um dinheiro extra”, compartilha.
Rotina de limpeza intensificada
Quem também intensifica a rotina de trabalhos para garantir a limpeza e deixar tudo pronto para receber os visitantes é a Secretaria de Serviços Gerais da Prefeitura de Passo Fundo. Cerca de duas semanas antes do Dia de Finados, a pasta reúne um mutirão para organizar uma melhor infraestrutura para a população, executando serviços de limpeza, roçada, pintura, instalação de água e colocação de banheiros químicos nos oito cemitérios de responsabilidade municipal: Vera Cruz, Petrópolis, Jardim da Colina, Santo Antônio, Ribeiros, São João, Roselândia e São Miguel.
De acordo com o chefe do Núcleo de Cemitérios de Passo Fundo, Antônio Pereira, a solicitação de equipamentos e equipes começa a ser organizada ainda um mês antes da data. “Como a gente intensifica os serviços, precisamos aumentar o número de trabalhadores. São umas cem pessoas só para limpar as partes de uso comum – os túmulos são de responsabilidade de cada família. É muito trabalho a ser feito. No Cemitério da Vera Cruz, por exemplo, onde há aproximadamente oitenta mil pessoas sepultadas, só nesta semana a gente tirou seis containers de lixo”.