Quando o Grupo de Estudos Ufológicos de Carazinho (Geuc) soube que um possível Objeto Voador Não Identificado (OVNI) sobrevoou Passo Fundo na noite do dia 8 de outubro, é que começou a estudá-lo. Nas imagens, gravadas por uma câmera de vigilância de uma torre e também por um aparelho de telefone celular, é possível ver um objeto com luzes piscantes cruzando o céu. As cenas foram divulgadas no dia 25 de outubro pelo canal “Verdade Mundial”, no Youtube, e foram gravadas por volta das 20h do dia 8.
Ao responsável pelo canal, o autor das imagens explicou que, mesmo acostumado a ver todo tipo de luzes na cidade, aquela chamou sua atenção. O vídeo mostra uma luz pulsante e em movimento. A narração do responsável do canal é que dá o tom do que aquilo poderia significar, rodeada por um mistério descrito por ele. “Logo que ele [autor das imagens] não conseguiu mais gravar com as câmeras de vigilância ele logo pegou seu celular, um celular atual (...) e começou a filmar esse objeto. Saiu pra fora da sala de monitoramento e começou a observar esse objeto. Porém, o seu celular, pela primeira vez, começou a travar, e não gravava.” E emenda: “Como se um campo magnético interferisse na tentativa de gravar esse objeto”.
O objeto estaria a 250 metros de altura e, depois, teria descido a 60 metros. Seu tamanho era maior que um ônibus, segundo o relato, e teria forma triangular, movimentando-se com duas extremidades do triângulo para frente.
O Geuc teve acesso às imagens no dia 26 de outubro. O grupo criado em março de 2015 na cidade de Carazinho, investiga, de forma científica, relatos de observação de fenômenos aéreos não identificados no espaço aéreo gaúcho. O de Passo Fundo não era o primeiro. Desde a criação do grupo foram 48 relatos, sendo a grande maioria de erros de interpretação ou com informações insuficientes para análise (como dizer que foi visto uma luz no céu).
Análises
Meses antes do caso de Passo Fundo, por exemplo, em junho, um homem observou uma luz brilhante circundando a lua vista do céu de Carazinho. Era por volta das 22h do dia 18 daquele mês e, na manhã seguinte, ele acionou o grupo. Mas o caso se tratava de um “erro de interpretação de fenômeno astronômico”. Nada mais era que a ocultação do planeta Saturno pela Lua.
Em Passo Fundo há poucas possibilidades de se tratar do mesmo fenômeno. Giordano Mazutti Andrade, um dos membros do grupo, já tem uma hipótese: pode ser um avião particular ou um avião de instrução de algum aeroclube. “Conversei com a testemunha, contatei alguns aeroclubes da região para averiguar as rotas de voos, pousos e decolagens naquela noite e, pelas características observadas (luzes brancas e vermelhas, rota de voo definida, baixa altitude, velocidade de cruzeiro) trata-se de um avião. O que desejamos saber são as especificidades, ou seja, a procedência do avião, horário que permaneceu voando, rota de voo, para que possamos confrontar as informações do relato do observador com os dados coletados”, explicou.
É que para ser um fenômeno não identificado, detalha Giordano, ele não pode ser “não identificado” apenas para o observador, para quem o testemunha, mas deve permanecer nessa classificação após muito estudo e análise de outros indivíduos. Essa também é a premissa primordial da pesquisa ufológica. Softwares como o Stellarium, Heavens Above e RadarBox24 podem auxiliar com isso, por exemplo, quando há duvidas de que o OVNI seja, na verdade, um avião. “Não se pode afirmar, a priori, a diferença de um OVNI e um avião, pois estaríamos afirmando que o fenômeno OVNI têm apenas causa em si mesmo, o que é uma falácia, uma vez que 95% das observações de ‘OVNIs’ são causadas por erros de interpretação do próprio observador. O primeiro é que, por exemplo, um avião em voo baixo, um drone, uma pipa com luzes, um satélite artificial, a estrela Sírius ou o planeta Vênus em baixa elevação no céu poderão vir a ser um ‘OVNI’ dependendo do nível de informação do observador (a testemunha), pois ela pode não identificar o que é aquela luz que ela está visualizando no céu”, aponta. Na dúvida, há características que podem auxiliar o observador, como presença de luzes piscantes entre o vermelho e o branco, rota de voo definida e velocidade de cruzeiro.
Desde 1954
Fosse um real objeto não identificado, não seria a primeira vez que Passo Fundo figuraria na rota desse fenômeno.
Em 20 de outubro de 1954 o Jornal do Dia noticiou: “Disco voador sôbre a cidade” [sic]. O fenômeno teria acontecido às 11h e ficou conhecido como “Caso Fôro Central” [sic]. O jornal descreveu: “O estranho acontecimento foi testemunhado por diversos cidadãos de evidência social que empregam suas atividades como funcionários ou advogados do Fôro Central, onde se achavam àquela hora e de onde o disco voador, que era visto a grande altura e era de forma circular, evolucionando ora para esquerda ora para a direita, para traz [sic] e para a frente, além de subir ou descer centenas de metros, durante muitos minutos, desaparecendo, depois, para o lado nordeste”.
Depois, em fevereiro de 1956, O Nacional publicou que dois “discos voadores” haviam cruzado o céu da cidade durante a madrugada. A matéria aponta para um fenômeno que teria ocorrido às 3h45, avistado por um fiscal da guarda na rua Coronel Chicuta. A testemunha, diz a matéria, ainda chamou outro homem que passava pelo caminho para que observasse com ele. Um dos discos é descrito como fruta-cor, entre prata e laranja, intercalando os tons. O outro, “bem maior” que o primeiro, também tinha as mesmas cores. Mas depois de vistos, sumiram. Um a sentido Soledade e, o outro, para Iraí.
O caso mais detalhado da década de 1950 aconteceu em novembro de 1957, mas só foi contado pelos jornais em dezembro daquele ano. Ocorreu em uma fazenda que costeia o rio Santa Rita, na estrada que liga Passo Fundo a Vacaria. O relato é de um capataz da fazenda, que, após levar sal para uma tropa de gado montado em sua mula, viu “um troço diferente, brilhante, de cor marrom escuro, como uma camisa de couro. Redondo com duas pontas, assim que nem laçadeira de máquina”. O relato diz que ele tentou atirar no objeto. Em vão. “A arma começou a baixar, como se pesasse muito”. Nem a mula, detalha, queria se aproximar do local em que o objeto estava. “Eu sentia muito calor e estava todo suado e quase cego com o reflexo da luz. Não via quase nada. Abaixei-me várias vezes, procurando ver melhor, mas não conseguia.”
O homem disse, na época, que achou ser “coisa do demônio”. Não tinha nenhum conhecimento sobre o que era um disco voador e foi surpreendido com o objeto, que de repente desapareceu, deixando cinzas no local em que estava.
Outro relato de 1976
Um dos casos mais famosos na cidade é datado de 26 de novembro de 1976, quando imagens de um grande objeto no céu foram registradas por estudantes.
Documentos da Aeronáutica, disponibilizados no Arquivo Nacional, também apresentam dois casos na região, sendo um em Marau e o outro em Tapera. São dois questionários, antes confidenciais, em que duas testemunhas disseram terem avistado um Objeto Voador Não Identificado (OVNI) na noite do dia 19 de março de 1996.
Em Tapera, um homem de 36 anos, acompanhado da filha de 10, avistou um objeto de forma oval, do “tamanho de um farol de automóvel”, de cor variável e que voava a cerca de 60 km/h. O homem acreditava que o objeto estava a 200 metros de distância dele e há 100 metros de altura. O avistamento durou 45 minutos.
Já o documento que trata de Marau apresenta uma outra forma. Nele, a testemunha fala de um objeto em forma de estrela com duas pontas e cauda, e que estava a noroeste de onde o avistou.
Não só estes, o Arquivo Nacional tem 753 arquivos que vão de 1952 a 2015 que tratam sobre Objetos Voadores Não Identificados em todo o Brasil.
“Não estamos sós”
Apesar desses relatos apontarem avistamentos de naves, Giordano diz que não se tem informações de contatos diretos com seres extraterrestres. “O que temos são registros de supostas observações de fenômenos aéreos não identificados por dezenas de pessoas, de 1954 até os dias atuais. Supostas porque a grande maioria desses relatos do século passado foram apenas veiculados à mídia, não passaram por uma análise. Produzir notícias repercutidas não comprova a natureza do fenômeno”, defende.
Mas para responder se de fato há vida fora da terra, Giordano se vale de um estudo pelo astrônomo Geoffrey Marcy, da Universidade da Califórnia em Berkeley e publicado 4 de novembro de 2013.
A conclusão do estudo, que utilizou dados do satélite Kepler para estimar a porcentagem de planetas de tamanho similar ao terrestre ao redor de astros parecidos com o sol, apresentou que 22% das estrelas similares ao sol têm ao menos um mundo rochoso numa região propícia à existência da vida. Em síntese, uma terra a cada cinco sóis.
“Contudo, o trio de cientistas investigou somente as estrelas dos tipos ‘G’ e ‘K’ (o nosso sol é uma estrela tipo G), ou seja, aquelas que têm entre metade e uma vez a massa do sol. As ‘G’ e ‘K’ correspondem a 20% de todas as estrelas da via láctea. Sabemos que nossa galáxia tem 100 bilhões de estrelas. Então, temos 20 bilhões de estrelas tipo G e K (20% de 100 bilhões de estrelas). O estudo apontou que 22% delas têm um mundo potencialmente habitável, estamos falando de 4,4 bilhões de planetas aptos ao surgimento da vida. Porém, os cientistas foram ainda mais exigentes: excluíram os planetas que não apresentaram órbitas similares a um ano terrestre, ou seja, entre 200 e 400 dias. Na hipótese mais conservadora temos que 5,7% dos sóis têm planetas habitáveis, ou seja, 1,1 bilhão de planetas gêmeos à terra somente na nossa galáxia. O resultado do estudo dificulta a suposição de que estamos sós”, esclarece Giordano, levantando questionamentos sobre essas outras formas de vida e o porquê buscariam contato com os seres humanos. “Precisamos refletir sobre as seguintes possibilidades: de a vida extraterrestre, naquele local, ter evoluído ao ponto de ser dotada de inteligência; ter atingido uma evolução tecnológica que a possibilita viajar no cosmo; localizar o planeta terra e ter se interessado por ele. Se todas essas barreiras, imaginemos, já foram superadas, o que os fazem buscar contato com este planeta? Será que são os mesmos objetivos que nós temos ao realizar a nossa exploração em outros planetas?”
Noite oficial dos OVNI’s
Na noite de 19 de maio de 1986, 21 OVNIs foram detectados pelos radares do Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (Cindacta I), com sede em Brasília, sobrevoando o Brasil. O avistamento durou cerca de três horas e foi observado em Goiás, São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná.
Na ocasião, o Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro considerou a segurança de voo ameaçada, principalmente em São Paulo, onde os OVNIs estavam mais ativos.
Cinco caças foram enviados pela Força Área Brasileira para perseguir e identificar os objetos, sem sucesso.
Em 25 de setembro de 2009, a FAB divulgou um relatório oficial sobre o caso, em que afirmou: “É de parecer deste Comando que os fenômenos são sólidos e refletem de certa forma inteligência, pela capacidade de acompanhar e manter distância dos observadores, como também voar em formação, não forçosamente tripulados”.
Documentos e áudios sobre esta noite, que marcou a ufologia brasileira, também podem ser acessados no acervo público do Arquivo Nacional. O caso entrou pra história como “a noite oficial dos OVNIs”.