Após julgamento que durou cinco sessões plenárias, na quinta-feira (7/11), o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por um placar apertado, seis votos a cinco, pela inconstitucionalidade da possibilidade de cumprimento de pena a partir da segunda instância. O entendimento foi reformado pela Corte, pela terceira vez, desde a promulgação da Constituição de 1998.
A partir desse novo entendimento da Corte, o réu condenado pela segunda instância da Justiça não pode começar a cumprir pena imediatamente - o que também é conhecido como execução provisória da pena. Por conseguinte, o réu só pode ser preso, após o chamado trânsito em julgado, que marca o fim do processo, quando estão esgotadas todas as possibilidades de recursos em instâncias superiores. A decisão ganhou repercussão nacional por beneficiar o ex-presidente Lula. Ele permanceu 580 dias preso após condenação em segunda instância.
Condenados
Atualmente, o Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4), tribunal de apelação, possui cerca de 100 condenados em segunda instância.
A abrangência da decisão do STF sobre a prisão em segunda instância, não se enquadra em casos de presos preventivamente, como João de Deus, Sérgio Cabral, Eduardo Cunha e o médico Roger Abdelmassih. Na região de Passo Fundo, por exemplo, de acordo com o Promotor Marcelo Pires, não existem casos que se amoldam nesta nova ordem, sendo que qualquer solicitação será analisada de forma individual.
Presunção da inocência
É nas instâncias ordinárias, compostas por Varas, Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais, que se analisam os fatos e Presunção da inocência as provas do caso, é o chamado mérito da causa. Nas instâncias superiores, cabe ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal a discussão de questões legais ou constitucionais.
Previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, o princípio da presunção da inocência diz que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Tal princípio é considerado uma Cláusula Pétrea, conforme ressaltam constitucionalistas consultados para a matéria. “Assim como outros direitos fundamentais dos indivíduos, a presunção da inocência, não pode ser afrontada, nem relativizada por nenhuma lei. A proposta de permitir a execução da pena após condenação em segundo grau, no entanto, desrespeita cláusula pétrea da Constituição, estabelecida no artigo 60, parágrafo 4º, IV, da Carta Magna. Portanto, não pode ser abolida por meio de emenda constitucional”.
Terceira mudança
O entendimento sobre a prisão em segunda instância, desde a Constituição Federal de 1988, já foi alterado três vezes pelo Supremo. Até o ano de 2009, era o juiz quem decidia sobre a prisão, isso a depender do caso concreto sendo julgado, conforme explicam os penalistas consultados para a matéria. “Ao analisar um pedido de habeas corpus - HC, para um réu que havia sido sentenciado em segundo grau, o STF decidiu que a execução da pena ficava condicionada ao trânsito em julgado”.
Passados sete anos, em 2016, os ministros voltaram a discutir a questão e reformaram esse entendimento. “Nessa situação, foi autorizada a prisão de um réu condenado por roubo qualificado após condenação em segunda instância”, pontuam. Além disso, em outubro do mesmo ano a Corte máxima por seis votos a cinco, manteve a possibilidade de execução de pena após a condenação pela Justiça em segundo grau.
“Ao longo dos anos, percebe-se pontos divergentes entre os Ministros, na medida em que, o fato da constatação da impunidade é decorrente dos inúmeros recursos em todas as instâncias, bem como da necessidade de se atualizar o dispositivo constitucional de modo a buscar a atual concepção da justiça de sociedade”, ressalta constitucionalista consultado.
Caso Lula
O ex-presidente Lula foi beneficiado pela decisão do Supremo Tribunal Federal, que derrubou a possibilidade de execução antecipada da pena. Ele foi preso após condenação em segunda instância.
“Esse processo do Lula ainda não transitou em julgado, ou seja, os recursos apresentados pela defesa estão em análise no STJ. É por isso que ele deve sair da cadeia e tem o direito de aguardar ao fim do processo em liberdade”, explica o penalista.
Lula foi detido em 7 de abril de 2018, após o então juiz federal Sergio Moro expedir um mandado de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá (SP).
A defesa de Lula entrou com pedido de soltura imediato, que foi considerado procedente pelo juiz Danilo Pereira Júnior, da 12ª Vara Federal de Curitiba. Na petição, os advogados do réu disseram ser “imperioso” o cumprimento imediato da decisão da Suprema Corte.
O ex-presidente foi condenado a 12 anos e 1 mês de prisão, ficou 580 dias preso. Contudo, consoante lembra professor de direito eleitoral, “mesmo favorecido pela decisão do STF, o ex-presidente vai continuar inelegível mesmo depois de solto, ao passo que a Lei da Ficha Limpa determina que não pode concorrer quem já tem condenações criminais em segunda instância”.
Prisão preventiva impede o benefício
Além de Lula, existem outros 4.895 réus, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que poderiam potencialmente se beneficiar da mudança de entendimento do STF.
Destes serão beneficiados todos os presos após condenação em segunda instância, mas os penalistas consultados lembram “que só podem ser soltos os que não têm decretada a prisão preventiva, também conhecida como prisão cautelar”.
A prisão preventiva é diferente da prisão após condenação em segunda instância. “A preventiva pode acontecer mesmo em casos em que não haja condenação, se a Justiça entender que a liberdade do réu gera um risco — risco à segurança pública, risco de fuga ou risco de interferência no processo”, explicam.