A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça rejeitou, por unanimidade, um recurso apresentado pela defesa do réu Mauro Hoffmann, no processo penal que responde pelas mortes de 242 pessoas do caso Kiss. Assim, fica mantido o julgamento dos dois sócios fáticos da boate – Elissandro Calegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann – e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira – Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão – pelo Tribunal do Júri de Santa Maria.
Na decisão, durante julgamento ocorrido na tarde de terça-feira (26), os magistrados acolheram a manifestação do Ministério Público. Acompanhou a sessão o representante do escritório do MP em Brasília, Alexandre Saltz. Em contrarrazões, assinadas pelo procurador de Recursos, Luiz Fernando Calil de Freitas, e pelo promotor de Justiça João Pedro de Freitas Xavier, o MP requereu que o STJ rejeitasse os embargos da defesa e mantivesse a decisão de junho deste ano, que determinou que os réus que respondem a ação criminal pelo homicídio de 242 pessoas sejam julgados por júri popular.
A Sexta Turma entendeu que não houve qualquer omissão no julgado que pronunciou os réus, tampouco desconsideração às Súmulas nº 283 e 284, ambas do STF, nem à Súmula nº 07 do STJ. Os ministros apontaram que a defesa pretendia o reexame de matéria já julgada, diante do mero inconformismo com a decisão de pronúncia, o que é incabível por meio dos embargos declaratórios. Ainda, eles salientaram que a decisão de junho deste ano não violou o preceito in dubio pro reo, considerando que a pronúncia foi fundamentada nos vastos indícios de autoria dos réus e prova da materialidade dos crimes contra a vida a eles imputados. Na decisão, a Turma reafirmou a sua jurisprudência no sentido de que é plenamente compatível o dolo eventual com o crime tentado.
Em outubro deste ano, a 1ª Vara Criminal de Santa Maria determinou a cisão do processo. O primeiro júri foi marcado para o dia 16 de março de 2020, às 10 horas, quando serão julgados os acusados Marcelo de Jesus dos Santos e Mauro Londero Hoffmann. O segundo Júri ocorrerá no dia 27 de abril de 2020, às 10 horas, quando serão julgados os acusados Elissandro Spohr e Luciano Bonilha Leão.
À época da decisão que marcou a data do julgamento, o juiz Ulysses Louzada, da 1ª Vara Criminal de Santa Maria, explicou a motivo de ter separado os júris. “A complexidade do fato, a extensão de suas consequências, o grande número de vítimas e as teses conflitantes das defesas justificam a cisão do feito”, justificou o magistrado. O juiz também acatou, na decisão, um pedido formulado pela assistência de acusação e pela defesa de Marcelo para que os jurados visitem o local onde funcionava a Boate Kiss antes do início dos debates no plenário.
O MP recorreu da decisão de cisão, por meio de uma correição parcial, para que o júri seja realizado em apenas uma sessão. O recurso aguarda julgamento da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do RS.
Relembre
Na madrugada de 27 de janeiro de 2013, um incêndio na Boate Kiss deixa 242 pessoas mortas e mais de 600 feridas. O fogo foi causado pela utilização de instrumento pirotécnico durante show musical da Banda Gurizada Fandangueira, que atingiu o teto do estabelecimento e provocou a queima de uma espuma, que liberou fumaça tóxica.
No dia seguinte após a tragédia, os dois sócios da boate Kiss - Elissandro e Mauro - e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira - Marcelo e Luciano -, foram presos temporariamente. No dia 1 de março, foi decretada a prisão preventiva. Os quatro foram soltos após decisão da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em habeas corpus interposto pela defesa do músico Marcelo de Jesus dos Santos, que revogada a prisão, no dia 29 de maio.
Ação penal
Após investigação policial, em 2 de abril daquele ano o Ministério Público acusou os quatro réus do processo por homicídios e tentativas de homicídios, praticados com dolo eventual, qualificados por fogo, asfixia e torpeza. Os dois sócios da casa noturna foram os responsáveis pelas reformas estruturais nela realizadas, instalação da espuma que incendiou e causou a tragédia, superlotação e contratação do show pirotécnico sem condições de segurança. Já os integrantes da banda acionaram o fogo de artifício, destinado ao uso em ambientes externos, no palco da boate, onde havia cortinas e madeira, e direcionaram-no para a espuma, que estava a poucos centímetros das fagulhas.
Em 27 de julho de 2016, o juiz decidiu pela pronúncia dos quatro réus, pelos homicídios e tentativas de homicídios, nos exatos termos da denúncia do Ministério Público.
Durante o processo, foram realizadas 64 audiências e ouvidas 215 pessoas, entre vítimas sobreviventes, testemunhas, peritos e interrogatórios de réus. A Associação das Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), algumas vítimas sobreviventes e familiares de outras falecidas, com a concordância do Ministério Público, ingressaram no processo na condição legal de assistentes.
Outros processos
Além dos quatro réus, o MP também denunciou, por fraude processual, dois bombeiros, e, por falso testemunho, dois ex-sócios da boate, além de um funcionário. A acusação entende que bombeiros praticaram crime de fraude processual ao encaminhar à Polícia Civil documentos que não constavam originalmente no Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI) da boate Kiss e foram obtidos e autenticados após a tragédia. Essas denúncias integram outros processos criminais.