Em fevereiro de 2018, juntamente com a esposa e os dois filhos menores, ele trocou Passo Fundo por Camaquã, distante cerca de 400 quilômetros, para realizar um projeto de vida: construir uma réplica, em tamanho original, da embarcação que ajudou a perpetuar o nome de Giuseppe Garibaldi na história da Revolução Farroupilha. Quase dois anos após ter deixado a escola em que lecionava, o restante da família e amigos para trás, o professor de educação física, Antônio Carlos Rodrigues, 56 anos, finalmente deve iniciar, ainda nesta semana, a construção do Seival, como ficou conhecido um dos lanchões do italiano.
O passo decisivo foi dado na terça-feira passada. Com um caminhão cedido pela prefeitura de Camaquã, Rodrigues veio a Passo Fundo buscar a madeira comprada há três anos, exclusivamente para realização do projeto Seival e os Caminhos de Garibaldi. Um investimento tirado do próprio bolso de aproximadamente R$ 50 mil, em valores atualizados.
Como a intenção é fazer uma réplica original, a embarcação terá 15 metros de comprimento e 3,6 de largura. A expectativa é concluir o trabalho no prazo de um ano. Nesta fase inicial, o professor terá o auxílio de um marceneiro naval e de dois voluntários.
Mudanças de planos
Quando trocou Passo Fundo por Camaquã, com o projeto todo idealizado na cabeça, Rodrigues disse que a intenção era resgatar a 'alma da história'. Ao visitar a Estância da Barra, onde morava dona Antônia, irmã do tenente-capitão da República Rio-Grandense, Bento Gonçalves, decidiu que a construção deveria acontecer ali, no mesmo local onde Garibaldi ergueu o Seival e o Farroupilha, em 1839, com o propósito de estender o ideal republicano para Santa Catarina. Contagiados pela ideia, aproximadamente 20 pessoas se reuniram em criaram a Associação Sócio-Ambiental Amigos do Seival.
Mal sabia o professor que a decisão de repetir o feito de Garibaldi no mesmo local, atualmente um descampado, distante cerca de três quilômetros da Lagoa dos Patos, rodeado por lavouras de arroz, resultaria no desperdício de esforços de quase um ano, em razão dos entraves burocráticos.
Mesmo contando com o apoio do executivo, legislativo, setores da sociedade civil, e de Raul Justino Ribeiro, tetraneto de Bento Gonçalves, responsável por um acervo com mais de 100 itens relacionados com a Revolução Farroupilha, incluindo, cartas, documentos, fardas, móveis da casa, fotos, quadros, inventários, entre outros, o espaço não foi liberado.
A área de aproximadamente 100 quilômetros fica dentro do Parque Estadual de Camaquã, criado em 1974, através de um decreto. " Estive duas vezes na Secretaria Estadual do Meio Ambiente, fizemos várias reuniões mostrando o impacto positivo que teria o local com a construção do estaleiro e da embarcação, mas infelizmente não conseguimos a licença", lamenta Rodrigues.
O sonoro e definitivo 'não' só foi confirmado em maio deste ano, sob o argumento de que a licença abriria precedentes para outras iniciativas dentro do parque. Sem o espaço sonhado, o professor chegou a pensar em construir a embarcação em outra cidade, mas acabou encontrando uma segunda alternativa em Camaquã.
"Minha esposa sugeriu um galpão nos fundos de um ginásio municipal, onde funcionava a sede do Corpo de Bombeiros. O local fica a três quadras de casa. Tem água, luz, espaço suficiente. O prefeito autorizou a utilização. Depois de todo esse tempo, o sentimento é de ansiedade para iniciar logo. Minha previsão é para esta quarta-feira", projeta.
Educação ambiental
Orçado em aproximadamente R$ 300 mil, incluindo gastos com documentação e equipamentos, Rodrigues pretende realizar algumas ações para buscar o recurso necessário. A primeira delas está marcada para 19 de dezembro, quando acontece um jantar e o lançamento oficial do projeto para a imprensa local de Camaquã. Ele explica que o Seival não será um barco comercial para passeios. A finalidade será para atividades relacionadas com a história da navegação durante a Revolução Farroupilha e educação ambiental. "Quando nos deslocarmos de uma cidade para outra, teremos tripulação. Essas pessoas poderão se inscrever através do nosso site", conta.
O encantamento de Rodrigues pela navegação surgiu em 2014, quando decidiu realizar o projeto Navegar Rio Passo Fundo - da nascente ao mar. Dividido em oito etapas, alunos do ensino médio da escola Cecy Leite Costa, onde lecionava, juntamente com outros professores e integrantes de grupos ecológicos, eles navegaram mais de 1 mil quilômetros, do Rio Passo Fundo até a capital Uruguai, Montevidéu. No ano seguinte, o roteiro seguiu pelas águas do rio Jacuí.
Decidido a seguir investindo em novas aventuras, ele recebeu a sugestão do historiador Paulo Monteiro, de construir os lanchões de Garibaldi. Desafio aceito,dedicou um longo período de pesquisas em busca de todos os detalhes da embarcação, conseguiu reproduzir uma em miniatura do Seival. Desde lá, o professor já construiu pelo menos sete veleiros, alguns deles apenas com material reciclável. Uma habilidade aprendida na infância com o pai marceneiro.
"Nesse tempo todo, aprendi a me preparar para o próximo 'não' e a superá-lo. Tem sido um desafio constante, mas sempre consigo dar um passo adiante, o ânimo vai se renovando. Me identifiquei muito com o livro do Amyr Klink, onde ele fala dessas adversidades. Ainda vou levar a réplica do Seival puxado a boi até a Lagoa dos Patos, e olha que são 54 quilômetros", brinca.