Por quase quatro décadas, o bairro Edmundo Trein, antiga Cohab 1, ficou conhecido pela ótima qualidade de vida, pelo convívio familiar entre os vizinhos e pelo ambiente pacato. Entretanto, nos últimos anos, essa tranquilidade começou a dar lugar para uma sensação de insegurança. A ocorrência de pequenos delitos e o consumo de drogas pelas ruas do bairro vêm transformando a rotina naquela região.
Os moradores afirmam, de forma quase unânime, que essa mudança tem uma causa pontual: a situação de abandono do Edifício Gralha, localizado na rua rua Olimpio Loss, distante poucas quadras da delegacia da Polícia Civil. Interditado e desocupado pelos moradores, desde agosto de 2016, por problemas estruturais, os apartamentos, distribuídos pelos quatro andares, viraram refúgio de consumidores de drogas e esconderijo para autores de furtos nas imediações.
“O prédio foi interditado por apresentar riscos de desabamento, mas ninguém se responsabiliza pela sua demolição. Agora está sendo ocupado por usuários de drogas”, comenta o funcionário público, Mauro Moreira. Ele ainda diz que dentro de poucos dias as aulas serão retomadas e os alunos que estudam à noite e passam pelo local, estão suscetíveis a assaltos. “Entramos uma vez no prédio para verificar o que estava acontecendo, mas é muito perigoso, pois ele corre o risco de desabar. Além disso, há problema de alguém ser agredido por um usuário de droga que esteja lá dentro. As pessoas se sentem inseguras ao andar nas ruas que circundam o prédio”, comentou ele.
Moradores não frequentam mais a praça central
Por precaução, quem mora naquela região teve de abandonar hábitos banais, como o tradicional chimarrão do final de tarde, ou o passeio noturno com o cachorro, na praça central do bairro.
Carlos Santos trabalha durante à noite com promoção de eventos. Ele é filho de militar e reside na Cohab há aproximadamente 40 anos. "Minha família foi a terceira a vir para cá”, conta, lembrando ter enfrentado situações de risco ao caminhar nas proximidades da praça quando retornava do trabalho. “A nossa praça central durante à noite é totalmente abandonada, não tem iluminação. Fica muito perigoso caminhar pelo local. Eu trabalho de noite, cheguei em casa de madrugada e presenciei uma troca de tiros. Um dos envolvidos passou por mim correndo, qualquer morador poderia ser atingido”, lembrou.
Ele ainda comentou que o crescimento da cidade refletiu no aumento do fluxo de pessoas circulando pela região, em direção a outros bairros. “Nós, os moradores mais antigos, estamos preocupados, pois há um aumento de criminalidade e nossa intenção é fazer com que ele mantenha o perfil pacato que tinha antigamente”, comentou.
Comerciantes relatam preocupação
Os comerciantes relatam que pequenos furtos acontecem de forma corriqueira. O empresário Pablo Kettonan, há três anos é proprietário de uma padaria, na rua central do bairro. Ele conta ter sido alvo de diversos furtos, mas a situação mais grave, segundo ele, aconteceu recentemente. Na oportunidade, dois homens entraram armados em seu estabelecimento e causaram um grande prejuízo. “A minha padaria é uma empresa familiar, eu trabalho com minha irmã, meu cunhado e sobrinho. Essa situação trouxe, além do prejuízo financeiro, o perigo de perder uma pessoa da minha família”, comentou.
O assalto aconteceu no momento em que Pablo fechava o estabelecimento comercial. Ele percebeu os dois jovens passando na calçada, retornando em seguida. “Eles estavam passando pela rua e perceberam a possibilidade de cometer o crime. Desta forma também acontece com outros comerciantes. A loja de material elétrico foi assaltada três vezes em uma semana, o bazar que fica junto ao salão de beleza também foi roubado. Na fruteira, eles chegaram a quebrar o vidro para levar mercadorias”, relatou. O comerciante precisou contratar uma empresa de segurança privada para fazer o monitoramento do seu estabelecimento.
Monitoramento pelo WhatsApp
Morador da Cohab há 37 anos, Valdelírio Pavão disse que uma alternativa para melhorar a segurança na região foi a criação de um grupo no aplicativo WhatsApp para facilitar a comunicação.
Em poucos dias, quase 80 moradores já trocavam informações sobre situações suspeitas. “Primeiramente os moradores se comunicam para avisar sobre pessoas suspeitas ou desconhecidas que estão circulando no bairro, para que todos fiquem alertas sobre possíveis furtos. Outro dia, avisaram no grupo que haviam pessoas consumindo drogas na praça. Eu e mais dois moradores fomos até lá. Os usuários ficaram constrangidos e se retiraram. Já houve casos de avisos sobre movimentação de pessoas estranhas dentro do pátio de alguma casa”, afirma.
O grupo também auxilia na comunicação dos empresários do bairro a alertar sobre pessoas com atitudes suspeitas. “Quando alguém com atitude suspeita entra no bairro, algum comerciante já faz o aviso, e os demais ficam em alerta. Assim é possível se prevenir de algum roubo”, comentou o comerciante Pablo Kettonan.
Abaixo -assinado
Há 60 dias, os moradores começaram a se reunir de forma periódica para realizar ações concretas e aumentar a sensação de segurança. Eles organizaram um abaixo-assinado, que deverá ser entregue para o poder público e aos órgãos de segurança. “Foi feito um levantamento e montada uma comissão de moradores responsável pela coleta de assinaturas. No centro de Passo Fundo e, em alguns bairros, já foram instaladas câmeras de vídeo-monitoramento, mas nosso bairro não foi contemplado. Elas podem servir para registrar as ocorrências que estão acontecendo e identificar os autores”, disse Mauro Moreira.
O abaixo-assinado tem a pretensão de estimular a implementação de políticas públicas de forma mais direcionada, pois algumas ocorrências são registradas na delegacia do bairro e outras acabam sendo encaminhadas para delegacias de outras regiões da cidade. “Alguns moradores acabam nem fazendo o registro dos delitos menores. Muitas vezes não querem ir até o bairro Petrópolis para registrar uma ocorrência, por isso, queremos construir uma maior proximidade da Brigada Militar e da Polícia Civil aqui no bairro”, esclareceu Mauro. O documento também pretende aproximar os moradores dos órgãos de segurança para a realização de ações específicas de policiamento e combate à criminalidade voltadas para a realidade dos moradores. Os organizadores do abaixo-assinado dizem que a intenção é mobilizar aproximadamente 10 mil pessoas que vivem naquela região.
O que diz a Brigada Militar
O Comandante do 3° RPMon, tenente-coronel, Volnei Ceolin, comentou que os indicadores de violência na região da Cohab 1 não apontam para uma alteração, entretanto o prédio abandonado pode estar causando um desconforto para os moradores, pois é uma situação que está se arrastando há muitos anos. “Estamos mantendo o policiamento na região, e realizando as abordagens necessárias. No momento que percebermos a necessidade de ações específicas, elas serão feitas”, destacou o Comandante.
Ele disse que a organização da comunidade por meio de redes sociais é bastante benéfica, pois é uma ferramenta que auxilia na prevenção dos crimes e este é uma das funções da Brigada Militar. “O uso de grupos de WhatsApp é muito positivo, e as informações que são trocadas nestes grupos também podem ser encaminhadas para a Brigada Militar, que pode ser acionada pelo telefone 190, para a realização de abordagens de suspeitos. Os moradores também podem trocar fotos de situações ou pessoas suspeitas para nos enviar, que também nos auxiliará no policiamento”, disse ele.
O Comandante destacou que as portas do Quartel estão abertas para receber a comunidade e discutir ações conjuntas de segurança pública. “A Brigada Militar é da comunidade, e por isso recebemos com frequência representantes dos moradores para ouvir os anseios, e as demandas específicas que cada local tem”, finalizou ele.
Situação do Gralha
Com a condenação da estrutura do edifício Gralha, as famílias tiveram de abandonar o local. Desde então, os proprietários buscam na justiça uma reparação financeira, por meio de um processo instaurado na 2ª Vara da Justiça Federal. O presidente do parlamento municipal, vereador Saul Spinelli (PSB), esteve reunido com o secretário estadual de Obras e Habitação, José Stédile, a fim de tratar sobre as avaliações dos imóveis em um eventual acordo das 16 famílias do Edifício Gralha com o estado.
O processo já está em fase de sentença e o grupo de trabalho encaminhou o pedido e a avaliação de dois imóveis do estado, e mais o imóvel onde se localiza o Edifício Gralha. Com estas avaliações, é possível encaminhar uma análise das duas propostas de empresas privadas que pretendem, através de acordo, garantir os 16 apartamentos ou casas para as famílias.
O processo, que tramita na Justiça Federal, tem como réus o estado do Rio Grande do Sul e a Caixa Econômica Federal. O juiz da 2ª Vara Federal de Passo Fundo, Moacir Camargo Baggio, aguarda a conclusão do trabalho da equipe formada por moradores, prefeitura, estado, Câmara de Vereadores, procuradoria e Caixa Econômica Federal.