No dia 7 de fevereiro a comunidade passo-fundense despediu-se do professor e padre Elli Benincá, 83 anos, considerado um dos principais personagens na consolidação da Universidade de Passo Fundo (UPF) e na fundação da Faculdade de Teologia e Ciências Humanas (Itepa Faculdades). Entretanto, as homenagens e as lembranças de quem conviveu com o professor, revelam um ser humano de dimensão muito além de seu trabalho.
“Muitas pessoas chamam o Elli Benincá de mestre, no sentido mais estrito do termo, ou seja, mestre aquele que ajuda os discípulos crescerem, não aquele que impede, sufoca. Muito pelo contrário, aquele que dá asas, que ajuda a pessoa de fato crescer, desenvolver sua autonomia e sua identidade intelectual própria”, recorda o ex-aluno, orientando e colega do padre Elli, o professor universitário Angelo Cenci.
Elli Benincá nasceu em Severiano de Almeida, próximo a Erechim, em julho de 1936. No ano de 1953 ingressou no Seminário Nossa Senhora de Fátima em Erechim e cinco anos depois tornou-se professor no seminário. Na década de 1960 licenciou-se em Filosofia (1961) e em Teologia (1965), ordenando-se padre em 1965.
Na UPF, Benincá foi coordenador do Departamento de Filosofia e em 1970 tornou-se diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). Benincá também dirigiu a Faculdade de Educação (Faed) de 1974 a 1985. Apesar de seu papel fundamental na formação da Universidade, sua atuação foi muito mais ampla.
“Nós temos algumas pessoa no Rio Grande Sul, em algumas instituições comunitárias, que são visionários, em termos de universidade e educação. E nós temos o Elli Benincá aqui na UPF. Essas pessoas foram maiores que suas próprias instituições, elas transcenderam o espaço institucional”, destaca Cenci.
Ao longo de sua vida, Benincá publicou diversas obras, entre elas, o livro “Introdução à Filosofia”, uma referência na área. “Ele teve um papel importante de trazer à discussão e sistematizar o estudo de filosofia, de ciências humanas”, conta o também ex-aluno e colega, o professor Eldon Henrique Muhl, organizador do livro “Educação: práxis e ressignificação pedagógica”, formado pelos principais textos sobre educação de Elli Benincá.
Religiosidade
Na década de 1980, o padre Elli liderou um movimento que resultou na fundação da Itepa Faculdades, tornando-se seu primeiro diretor. O objetivo era qualificar a formação teológica de sacerdotes e leigos. “Uma grande marca, que ele nos ajudou, é de uma Igreja pautada no Concílio Vaticano II, uma Igreja que dialoga com o mundo, humana, que contribui para a cidadania. E nesse sentido ele foi criando grupos de pesquisa no próprio ITEPA”, conta o padre Ivanir Antonio Rodighero, atual diretor executivo da Itepa Faculdades.
Apesar de sua vida acadêmica, Elli nunca deixou o sacerdócio de lado. Atuou por um longo período como padre na Catedral Metropolitana Nossa Senhora Aparecida e na Paróquia Nossa Senhora da Conceição, de acordo com o padre Ivanir. “Nesse trabalho ele tinha um carinho todo especial pelas pessoas que iam na celebração e no atendimento pessoal. E eram muitas pessoas que iam até ele para ouvir, para refletir sobre seus problemas, as suas dificuldades”, relata Ivanir.
Uma biblioteca pública
Ao longo de sua vida, Benincá cultivou uma biblioteca, considerada pública por seus conhecidos, onde guardava livros, especialmente ligados à sua área de atuação e à literatura. “Ele disponibilizava às pessoas e distribuía o conhecimento que tinha. Socializar para que todo mundo pudesse se beneficiar daquele conhecimento”, conta Eldon.
A biblioteca foi doada ainda em vida para instituições de Passo Fundo. Esse ato simboliza o que os ex-colegas chamam de generosidade intelectual. “Era comum ele chegar em uma sala de aula trazendo um livro para um aluno específico”, relembra Muhl. Por meio do conhecimento repassado aos alunos e dos livros escritos e doados, sua missão de educar e distribuir conhecimento seguirá por muitos anos, como demonstram em depoimentos seus ex-colegas, alunos e amigos.
Depoimentos
Professor, pesquisador e gestor dedicado
“A história do professor e padre Elli Benincá se confunde com a história da UPF. Mesmo antes de nos tornarmos Universidade, ele já colaborava com o Consórcio Universitário Católico, um dos pilares constitutivos da Universidade de Passo Fundo. Por 40 anos participou ativamente da formação de milhares de acadêmicos da nossa instituição.
Por meio de um olhar sereno, uma fala tranquila e uma escuta atenta ele expressava o profundo conhecimento da/sobre/com a humanidade fazendo-nos refletir a partir de um lugar em que todos eram sujeitos do processo de ensino-aprendizagem. Eu conheci o Prof. Pe. Elli fazendo formação de lideranças comunitárias pelos bairros da cidade. Ele exercia “radicalmente” a nossa identidade comunitária, ressaltando com sensibilidade e humanização os valores sociais, culturais e educacionais dos grupos com os quais se dedicava. Professor, pesquisador e gestor dedicado, Pe Elli construiu uma trajetória de vida que se eternizará entre nós!”
Reitora da UPF, Dra. Bernadete Maria Dalmolin
O melhor, o mais sábio e o mais justo
“Certa vez, ao receber uma homenagem na UPF, ele disse: “há experiências na vida da gente para as quais não se encontram palavras para expressar-lhes o sentido”. É isso que sinto nesse momento, ao tentar falar sobre a importância do padre Elli na minha formação pessoal e profissional. A verdade é que o Benincá, foi para mim, muito mais que um professor de filosofia. A forma como lidava com os problemas, o jeito com que resolvia as insolúveis querelas entre fé e razão, o modo como entendia a filosofia e a teologia, a maneira de se relacionar com o diferente, a humildade científica e pedagógica, o senso de justiça, o compromisso com os coletivos e tantas outras coisas, me fizeram olhar diferente para tudo e, consequentemente, me fez reconhecer naquele homem, um exemplo, uma referência. O Professor e Padre Elli Benincá, foi, sem a menor dúvida, o responsável pela formação filosófica, teológica e pedagógica de muitas gerações. Na universidade, por exemplo, foi protagonista no enfrentamento de temas e problemas, valorizando, como poucos, a dimensão problematizadora da filosofia, defendendo que sua potencialidade crítica e reflexiva se maximizava no diálogo com as demais ciências. Na coerência sempre esteve a força do seu caráter, na capacidade de reconhecer limites a marca da sua sabedoria e na empatia para com os mais necessitados, a sua grande virtude. Tudo isso marca minha vida e, talvez por isso, quando penso em Elli Benincá, lembro da última frase do Epílogo do Fédon, um dos tantos diálogos escritos por Platão. Afinal, ele foi “o homem de quem podemos bendizer que, entre todos os de seu tempo que nos foi dado conhecer, era o melhor, o mais sábio e o mais justo”.
Vice-reitor de Graduação da UPF, Edison Alencar Casagranda
Reminiscências de uma amizade formativa
Os que tiveram a felicidade de desfrutar da amizade de Elli Benincá, puderam conhecer um pouco do que a força amorosa humana é capaz de transformar formativamente a vida das pessoas. O professor Benincá foi um “segundo eu” para muitas gerações, no preciso sentido aristotélico do termo. Isto é, tais gerações aprenderam com ele, não só por meio de sua fala mansa e envolvente, mas, sobretudo, pelo testemunho de sua ação diária, a difícil exigência ética do ter que se olhar para si, do autoexame permanente de suas ações.
Deixou-nos um legado cultural, religioso e educacional, que não se mede nem por prata e nem por ouro. Sua grandeza espiritual, movida pela busca da coerência entre palavras e ações, continua a calar fundo em seus ex-alunos. Com sua partida daqui, lá em cima, o Universo tornou-se um pouquinho mais sábio, e nós, aqui em baixo, na Terra, na qual o prof. Benincá soube exercer sua mestria formativa, permanecemos movidos a simplesmente tocar em frente.
Professor da UPF, Claudio A. Dalbosco
Investimento na pessoa humana
A experiência que a gente teve, foi uma pessoa profundamente envolvida com a educação, uma preocupação de fazer da educação realmente um processo de formação humana, ele sempre insistia que o principal investimento que se pode fazer em educação é o investimento na pessoa humana. E realmente, ele dedicou a vida dele a essa concepção, defendia muito esse caráter formativo, humano da educação.
Ele foi um apoio muito grande na organização dos movimentos populares. Era um homem que passava em diferentes contextos sempre com uma capacidade de congregar, de integrar, de dialogar com respeito de tal forma que era respeitado e permanentemente convidado a participar ou contribuir com seu trabalho formativo.
Professor da UPF, Eldon Henrique Muhl
Visão Humanista
Ficaram muitas marcas, muitas referências do Benincá. Ele tinha uma capacidade muito grande de agregar pessoas para trabalhar, um espírito de liderança intelectual. Ele tinha uma característica muito forte de abrir portas para as pessoas, os seus colegas, para os seus alunos, de possibilitar que as pessoas crescessem.
Era uma pessoa que tinha uma grande capacidade de dialogar, inclusive com pessoas que pensavam diferente. Ele tinha também muito essa compreensão, como ele era padre, da diferença. Ele tinha muito presente uma visão humanista. O Benincá sempre insistia que quando as pessoas não se transformam a si próprias nos processos educativos não há formação, não há educação no sentido pleno do termo, então formação implica mudar si mesmo, mudar a forma de pensar, de agir, de ver as coisas.
Professor da UPF, Angelo Vitorio Cenci
Sabedoria
Ressalto que era um homem sábio. A sabedoria é um dom, mas é também um dom desenvolvido pela capacidade de escuta, de estudo, de análise profunda da vida e dos fatos. Como sábio, sabia conjugar muitos conhecimentos com as vivências.
Era um padre presente na Pastoral da Arquidiocese e seus projetos. E como padre foi presente no mundo acadêmico e da sociedade de Passo Fundo. Uma presença definida por Jesus no Evangelho como sal e luz. Isto é, forte e sentida sem ser ostensiva.
Como padre e educador foi alguém que confiava na capacidade humana de aprender, de amadurecer, desenvolver qualidades. Confiava que a educação leva à autonomia, à liberdade, à responsabilidade, à fraternidade e para a solidariedade. Aprendeu de Cristo Mestre a educar as pessoas para torná-las capazes de amar a Deus e o próximo.
Arcebispo Metropolitano, Dom Rodolfo Luís Weber
Postura Humanitária
Em um primeiro momento, ele foi meu professor. No seguinte momento, formador, como eu era seminarista, então eu morei junto com ele e depois trabalhamos junto por um longo período. E nesse período nos tornamos amigos. Ele tinha uma postura muito humana, fraterna, como professor tinha uma profundidade muito grande.
A principal característica dele é uma pessoa que buscava os processos de formação. Recentemente, em novembro, ele já com dificuldades queria continuar trabalhando. Então esse encanto que ele tinha pelo ato educativo. Outra marca muito forte dele é que ele sempre aparece como Pe. Elli. E ele assumiu o sacerdócio de uma forma tão bonita, ele dizia assim “nós temos um único sacerdote, que é Jesus, e nós participamos do sacerdócio de Jesus”. Um terceiro aspecto muito saliente é a alegria que ele tinha quando os educandos, ou os formandos, no caso do seminaristas, iam dando passos no sentido de sua emancipação, de conseguir ter a sua autonomia, mas uma autonomia altruísta, que visava o cuidado com o outro, com o pequeno, com o pobre, com o sofrido. Ele tinha um olhar do mundo que vinha para qualificar aqueles que mais necessitavam, então entravam os pobres, os doentes, os analfabetos, as pessoas que estavam marginalizadas da sociedade, então essa postura humanitária dele.
Diretor Executivo do ITEPA, padre Ivanir Antonio Rodighero