Na propriedade rural da família Stedile, em Coxilha, 350 dos 2 mil hectares de terra já começaram a ser irrigados pelo sistema de pivô central. O mecanismo, que faz a água chegar através de tubos, foi acionado para abrandar os efeitos da falta de chuva, que já castiga os agricultores há mais de um mês, e compromete a produtividade do trigo, em fase de pré-colheita, e o desenvolvimento do milho semeado.
Embora seja muito cedo para prever as consequências dessa escassez hídrica ou até mesmo para sentenciar uma quebra de safra, 20% do potencial das lavouras de milho foi afetado na localidade, segundo avaliou o produtor e estudante de Agronomia, Enzo Stedile. “A seca que estamos vivenciando hoje foi muito inesperada porque, geralmente, nesse período do ano temos um problema contrário, que é o excesso de chuva”, afirmou. Enquanto aguardam alguma precipitação capaz de nutrir o solo para o plantio da soja, os agricultores calculam a redução nas sacas de trigo causada pelo calor intenso e a insolação nas plantações do cereal. “Afeta, no mínimo, 30%. De 55, esperamos colher 45 sacos por hectare”, mencionou Stedile. “Na área irrigada ficamos mais tranquilos, mas essa não é a realidade de todo mundo. Quem não tem um sistema de irrigação implantado na propriedade acaba perdendo para a seca”, ponderou.
Com esse período de estresse hídrico, a maturação fisiológica do cereal fica comprometido, segundo explicou o engenheiro agrônomo e gerente regional da Emater/RS-Ascar, Oriberto Adami, mas não de forma significativa. “A safra, na região, está em fase inicial de colheita com cerca de 5% da área já colhida”, disse. A expansão de 32% da área cultivada, especialmente nos municípios próximos a Lagoa Vermelha, deve assegurar uma variação de safra positiva pelo fator preço.
Milho
As lavouras de milho devem, mesmo, ser as mais afetadas pela variação climática da primavera. Isso porque, segundo explicou Adami, a ausência de precipitação hídrica prejudicou mais a fase de espigamento do alimento, massivamente utilizado para consumo humano e produção de ração animal. “Temos uma média de 8 mil quilos por hectare e o prejuízo em início de ciclo é maior. Se não chover, em 10 a 15 dias, vai ser uma perda muito grande. Tão grande como no ano passado, quando foi perdido 40 a 50%”, mensurou. “Este é um bom ano para o plantio porque os preços estão bons. Seria um ano para recuperar o que foi perdido na seca passada”, estimou.
La Niña
Se a água da chuva influencia o plantio, é a água do mar que interfere na temperatura e no volume das precipitações. Desde setembro, quando o evento climático La Niña começou a incidir sobre a região Sul do país coincidindo com o início do período primaveril, o índice de chuvas tem se comportado abaixo do padrão normal para o clima, conforme esclareceu o agrometeorologista da Embrapa Trigo, Gilberto Cunha. “A situação pode mudar se, na costa do Atlântico Sul, tornar as águas mais quentes aportar mais umidade para a atmosfera”, atestou.
O fenômeno, que se caracteriza justamente pela diminuição da temperatura da superfície das águas do Oceano Pacífico, deve permanecer até o final do verão. “Isso faz com que tenha baixado os níveis de umidade do solo e dos mananciais de água de superfície trazendo até preocupações para o setor de abastecimento humano”, ressaltou Cunha. Nos quatro últimos meses, como projeta o observatório meteorológico da Embrapa, em Passo Fundo, julho foi o período onde o volume de chuvas ultrapassou o contingente considerado normal para a estação com 358,6 milímetros de água. “Por haver muito pouca umidade, muitas previsões de chuva tendem a estar superestimadas em termos quantitativos”, alertou.
De julho até o mês de outubro, o comportamento hídrico registrado foi inferior ao esperado. Os 22 dias deste mês, aliás, foram desastrosos para a agricultura. Dos 153 milímetros aguardados pelos produtores rurais, choveu apenas 14,3 mm. “É importante utilizar práticas de manejo de conservação do solo, manejo direto e adesão de seguridade rural. A agricultura é uma atividade de risco. É uma maneira que os produtores tem para se proteger”, orientou o agrometeorologista.