Naquela manhã de 27 de fevereiro de 2020, a informação sobre um possível primeiro caso de coronavírus em Passo Fundo rapidamente alcançou milhares de cliques nas plataformas digitais. No dia seguinte, a capa do jornal O Nacional não apenas destacou a suspeita como trouxe duas informações adicionais: quem era essa moradora com quadro gripal e o furor nas farmácias para assegurar a compra de máscaras para proteção. Se bem as plataformas digitais aceleraram a maneira de informar e consumir notícias, o jornal impresso resguarda em si a documentação histórica de diferentes períodos atravessados por determinada localidade e oferece um olhar mais demorado sobre os acontecimentos.
Em entrevista ao jornal O Nacional, o jornalista, colunista e professor da PUCRS, Juremir Machado da Silva, destaca uma atribuição a mais do jornalismo local durante a crise sanitária: a de ser salvaguarda em meio aos desertos informativos.
O NACIONAL: Juremir, como o senhor observa a práxis jornalística local durante a pandemia?
JUREMIR MACHADO: O Rio Grande do Sul tem alguns jornais locais com uma tradição muito forte e isso é muito bom. Eu lembro do O Nacional, do Diário Popular e do jornal A Plateia em Santana do Livramento. Antes mesmo de eu fazer Jornalismo, que já faz muito tempo [risos], eles já circulavam e tínhamos isso de pensar: “quero fazer parte”. É muito bonito ver que os jornais, apesar de tudo, ainda resistem porque as transformações tecnológicas foram tantas que, de certo modo, podia ter afetado e aqueles que resistem prestam um grande serviço.
ON: Qual é a posição do impresso nessas transformações tecnológicas que o senhor mencionou?
Eu acho que o jornalismo tem uma questão muito forte do local. O termo principal para escolher o que é notícia é proximidade. Aquilo que nos é próximo interessa mais que aquilo que nos é distante. Claro, tem outros critérios que levam a interessar o distante, mas o que nos é próximo tem uma força muito grande e são os jornais locais que dão conta disso. A outra parte é o impresso porque é um capítulo especial. Ele faz parte, principalmente, de uma civilização que revolucionou o mundo. Agora, não sei se o impresso vai existir para sempre porque ele, agora, está muito condicionado a uma questão geracional.
“Contar histórias sobre uma comunidade, noticiar e refletir sobre ela, exigirá sempre o trabalho deste profissional chamado jornalista” - Juremir Machado da Silva
ON: Isso já nos condiciona a pensar em uma prática para o pós-pandemia?
JUREMIR: Acredito que o fundamental é o jornalismo e o jornalismo local é central, que vai existir sempre. Eu posso imaginar que o O Nacional, daqui a 100 anos, talvez não exista no impresso, mas vai existir no suporte que será o do momento. Contar histórias sobre uma comunidade, noticiar e refletir sobre ela exigirá sempre o trabalho deste profissional chamado jornalista. Aquele que vai lá reportar os acontecimentos. É incontornável.
ON: As relações de trabalho entre o jornalista e a comunidade vão mudar também?
JUREMIR: Já mudou muito, não é? Na pandemia, se descobriu que dá para fazer muita coisa à distância e é curioso porque, por um lado, nos dá uma certa autonomia; mas, por outro, nos pega 24 horas por dia. O home office faz com que a pessoa trabalhe o tempo inteiro.
ON: Uma das funções do jornalismo local é combater os desertos informativos. Isso se intensificou durante a crise sanitária?
JUREMIR: Hoje, a principal tarefa do jornalista é combater as fake news. Antes, ele ia lá encontrar as notícias e, agora, ele tem a tarefa de combater as mentiras que estão circulando. Outro ponto, estamos em meio a uma pandemia onde todos deveríamos estar unidos para passar informação e que se impusesse uma ajuda mútua. Eu fico imagino o repórter que precisa coletar dados e histórias para contar e vai encontrar resistência. Tudo isso faz com que seja uma luta terrível para informar, para ser jornalista, para ser verdadeiro e para não ser acusado de estar anunciando o apocalipse. O jornalista precisar cumprir a missão de informar, e informar aquilo que acontece, seja bom ou ruim. Talvez, nunca se tenha estado em uma situação de pressão tão grande em cima dos jornalistas para que uma narrativa se imponha, mas ao meu ver a única missão é ser verdadeiro. Agora, se a verdade dói a alguns, o que fazer?