“A vida de garçom é como a noite, repleta de pessoas fascinantes, muita alegria e cada noite é uma história com seus mistérios”. Assim, aos 70 anos, Luiz Carlos Alambrador define a profissão que exerce por quase meio século. Mas o Alambrador nunca esticou um arame e só teve intimidade com uma cerca no alambrado do Estádio Wolmar Salton. Tanto que logo ganhou o nome artístico de Adamastor, certamente por ser um gigante no atendimento e na elegância. Torcedor símbolo do Gaúcho, o passo-fundense fala com orgulho sobre a atividade de garçom. Nasceu na Independência, logo abaixo da escadaria, em renomada área onde se apresentavam grandes orquestra e as pessoas eram muito carinhosas. Certamente, o ambiente influenciou-o na escolha da profissão. “Comecei em 1974, com 22 anos, trabalhando na Xangri-lá. Foi a minha performance inicial”, diz com toda a articulação e ironia verbal que carrega na bandeja.
Casas noturnas
Sim, Adamastor iniciou na noite pela casa da Tia Carula e do Zé da Naitiandei, nome abrasileirado de night and day. Mas ali foi apenas o estopim para uma longa carreira. “Atuei na Flamingo, na saída para Carazinho. Em seguida fui para Erechim, onde trabalhei no Casarão, também uma casa noturna. Em 1977, a convite do Albino Cardoso retornei à Xangri-lá para o local que depois foi a famosa Boite Madrigal, onde trabalhei 12 anos. Saí de lá e vim para o centro. Saí do submundo e vim para o ‘best-fundo’. Comecei na Cleópatra, que era da mesma área, porém mais sofisticada. Mas logo atravessei a rua e fui para a Pirâmide, que era o agito na Chicuta”.
Música ao vivo
Lá por 1993 ou 1994, Adamastor diz que deu “adeus ao submundo”. Conviveu com um novo público, mas reencontrou muitos clientes. Foi no Carlitos, bar que marcou na Presidente Vargas. “Depois o Renato Lângaro negociou o meu passe, com a intermediação do Miguel, um advogado e amigo comum, e fui para o Parole (Brasil com General Netto). Era fantástico, um marco entre os bares.” A música mexe com Adamastor, que cultiva um bom gosto indiscutível. “Teve shows inesquecíveis e pude apreciar Mário Barros e Plauto Cruz. Entre todos, marcou muito Dejanira e Sarará, numa noite fantástica só com músicas de raiz.” No instável circuito das cortinas dos bares, o já experiente garçom foi para a Chopana (Fagundes com Osório), pizzaria e à la carte onde atuou por mais de dois anos.
Clubes e shows
Dois locais icônicos também estão no longo currículo de Adamastor, que serviu as mesas do restaurante da famosa Boite Cacimba e do requintado Restaurante Papillon. “Fazia free nos clubes, como no carnaval do Comercial, Juvenil, Caixeiral, Efrica e shows. A gente trabalhava com multidões ou mesmo em residências em festas particulares”. Ainda marcou presença numa espécie de cassino. “Tinha um ficheiro mineiro com uma agilidade incrível no manuseio das fichas. Eram cheios de frescuras e usavam fraque a rigor”. E não terminou aí. “Inaugurei a Elite nos altos da Petrópolis, a Paris na Moron e o Boleros na Sete. Já estava em final de carreira quando passei pelo Royal Café. Ali foi o meu último trabalho”. E agora? “Hoje estou aposentado, vivendo de vendas ocasionais”.
Brega e chique
Da zona aos mais sofisticados restaurantes, Adamastor agregou um tratado de sociologia. “É o brega e o chique. No brega você lida com de tudo um pouco, alguns ignorantes, incultos, mais humildes e diversos comportamentos violentos. A gente tem que entender o público e ser maleável, falar na mesma linguagem. Já no chique você tem que ter nível, educação e um tratamento bem diferenciado do brega de cabaré na beira da estrada. O cliente olha e você já tem que estar ao lado. Quando puxavam o cigarro eu já acendia o isqueiro. O resultado é que rendia numa propina diferenciada”. Porém, em relação ao dinheiro, os valores podem ser inversos. “O submundo tem suas nuances positivas, pois num clima de festa e cumplicidade o lucro pode ser bem maior”.
O garçom
Na definição de Adamastor, “o garçom deve conhecer a marca de cigarro e as bebidas preferidas dos clientes. Antena ligada e ficar sempre alerta. Garçom é símbolo de boa aparência”. Entende que hoje esses princípios foram degenerados e critica a aparência de alguns, pela maneira como vestem, bem como pelas tatuagens e piercings. “O traje típico é calça e sapato pretos, camisa e casaco brancos. Para o verão uma camisa branca e colete preto por cima”, diz em tom enfático-ortodoxo.
Futebol na madrugada
O Dia Do Garçom permitiu rememorar as comemorações de antigamente. Dentre elas, estava um jogo de futebol entre garçons e radialistas. “O Dino Rosa organizava os radialistas e o Padeiro (João Rocha) os garçons. Antes, nos anos 1950, era à meia-noite. Já no nosso tempo era ao clarear o dia e, itinerante, às vezes no campo do Estrela, do Independente ou do Gaúcho. Tinha chope e churrasco, mas a sensação era o público formado pelas meninas notúrnicas”.
Prefeitura e Disfonte homenagearam os garçons
Quarta-feira (10), a Prefeitura de Passo Fundo e a Disfonte, revenda AmBev, fizeram uma homenagem aos garçons que atuam na profissão há mais de 20 anos. O encontro foi no Boka, no Salão Circu´s, quando o prefeito Pedro Almeida destacou que “são eles que fazem a cidade crescer e ser a 39ª melhor do Brasil para viver. Ficamos muito felizes por homenagear os garçons, que se dedicam a um serviço fundamental no setor de serviços”. Marco Zandoná, da Disfonte, parabenizou a Prefeitura pela iniciativa e lembrou que “Passo Fundo é uma cidade em que os ramos gastronômico e de eventos crescem diariamente e os garçons são fundamentais”.