A rotina de abrir corpos no DML

Técnico em Perícia conta sobre seu trabalho no Departamento Médico legal de Passo Fundo ao longo de 18 anos, tempo suficiente para que ele fizesse o trabalho de abertura de mais de cinco mil corpos de pessoas envolvidas em crimes violentos

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99% dos corpos que chegam a necropsia são abertos em alguma cavidade como crânio e/ou tórax. (Foto: Divugação/IGP)99% dos corpos que chegam a necropsia são abertos em alguma cavidade como crânio e/ou tórax. (Foto: Divugação/IGP)
99% dos corpos que chegam a necropsia são abertos em alguma cavidade como crânio e/ou tórax. (Foto: Divugação/IGP)
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Trabalhar abrindo corpos, identificando a causa da morte é papel do técnico em perícia do IGP – Instituto Geral de Perícias do Estado, com auxílio de médicos legistas. Essa talvez seja uma das profissões que mais gera curiosidade e estranheza por parte da população. Hoje desmistificada, a função é respeitada e mais valorizada, especialmente na compreensão de que além da causa da morte, ela contribui na elucidação de crimes violentos, trabalhando para auxiliar a justiça seja para inocentar ou incriminar da forma mais justa possível. São considerados crimes violentos: acidente, suicídio, homicídio e outras mortes traumáticas.

O passo-fundense André Fabiani Monteiro, é Técnico em Perícias do IGP há 18 anos, prestando atendimento no município e cidades da região. Ele é um dos peritos que “abre os corpos” no Departamento Médico Legal (DML). Ao longo dos anos compreendeu a importância de sua função e, aos poucos, como ele mesmo diz foi “ressignificando” um trabalho que é emocionalmente e fisicamente exaustivo, mas que é fundamental.  

Dependendo do tipo do crime, há exames minuciosos em corpos que podem levar mais de 12 horas. “É preciso manter a atenção e entender que é um trabalho exclusivamente técnico, focado na coleta de provas e sempre sem envolvimento emocional, porque precisamos pensar com o lado profissional acima de tudo. Às vezes somos mal interpretados, mas não temos como nos ligar emocionalmente pois isso comprometeria nosso trabalho”, explica.


O passo a passo

Quando um crime acontece a Polícia Civil é acionada, vai até o local é faz o isolamento. Na sequência a perícia é chamada para fazer o trabalho de análise e depois é feita a remoção do corpo via funerária ao Posto Médico Legal. A partir de seis horas da morte a necropsia pode ser feita pelos técnicos em perícia, com auxílio do médico legista. Depois do laudo médico o corpo é liberado para a família. 

André conta que os peritos são literalmente os que colocam “a mão na massa”, abrem os corpos e estudam as causas da morte e registram todo o processo no sistema do IGP. “Cada caso tem seu grau de dificuldade. Em caso de uma pessoa enforcada há um padrão, onde fizemos análise que descarte a possibilidade de homicídio e partimos para a comprovação da asfixia mecânica, em casos sem indícios que justifiquem um homicídio, por exemplo. Já homicídio por arma de fogo é mais complexo, porque precisamos analisar o projétil e em casos de vários tiros precisamos verificar qual foi o que matou. Há casos em que há projéteis diferentes e o trabalho identifica o autor do homicídio, ajudando na penalização ou absolvição de um a acusado”.


Trabalho em equipe

André explica que o trabalho ultrapassa as barreiras do DML, pois há inúmeros servidores envolvidos e um trabalho minucioso de muitos colegas. “Temos quem vai à cena do crime, quem estuda o corpo, quem avalia em laboratório vários indícios. Tudo para elucidar o crime da forma mais ampla possível, com a maior quantidade de detalhes”.

Uma necropsia dura pelo menos duas horas, mas ela só pode iniciar depois de seis horas após o óbito. 

Em casos de muitos projéteis é necessário o trabalho de raio- x e nem sempre no primeiro exame se consegue detectar onde está a bala. “Tivemos casos que levaram de um dia para o outro para conseguirmos detectar projéteis. Alguns exames consomem muito do nosso tempo. Quanto mais conseguirmos identificar e solucionar a causa de um crime no exame, melhor, pois uma exumação é muito mais onerosa e difícil. Não adianta correr, temos que fazer nosso trabalho bem feito”.

O Departamento Médico Legal fica junto ao prédio do Anatômico da UPF e a Clínica do DML, que emite os laudos, fica junto ao Centro de Apoio do HSVP.


A parte mais difícil

Dentre as dificuldades do trabalho André diz que a parte mais difícil são questões como crimes hediondos envolvendo crianças, como o de uma mãe que deu medicação e matou o filho por questões como término de um relacionamento, por exemplo. “Isso é o que mais incomoda, nos faz buscar entender melhor para não perder a fé na humanidade”.

De qualquer forma, o técnico ressalta que os profissionais dessa área ‘acostumados’ a ver e tratar esse tipo de coisa. “O que para a maioria das pessoas gera muito transtorno para nós é algo que olhamos e pensamos em como resolver, como fazer o exame da melhor forma possível. É um trabalho necessário que precisa existir, e agora quanto mais o tempo passa mais as pessoas estão conhecendo e respeitando a função, por vários motivos, até mesmo por filmes, pela mídia. A mística sobre apenas abrir corpos se desconstruiu e, aos poucos, a gente vai se encaixando no processo, entendo nosso propósito e aprendendo a ‘ressignificar’ nossa atuação. É um trabalho interligado com diversos setores, desde quando a polícia chega ao local de um crime. Nossa missão é ajudar a achar alguma prova, que culpa ou inocenta, então aprendemos que somos parte de um processo e o porquê ele precisa acontecer. Por isso, aos poucos, vamos nos especializando, nos qualificando e compreendendo cada vez mais que é um trabalho interessante”.

André lembra que a instalação de câmera fria, computadores e demais equipamentos de suporte ao trabalho, além da valorização financeira nos últimos anos, trouxeram mais incentivo aos profissionais do IGP. “Tudo favorece na busca por conhecimento e aperfeiçoamento”.


Identificação, medicina legal e criminalística 

O coordenador regional do IGP, Ricardo Telló Dürks, tem 18 anos na área de perícia e trabalha em Passo Fundo. Ele coordena os serviços de identificação, medicina legal e criminalística no município e em postos em Carazinho, Frederico Westphalen, Erechim e Soledade. 

Ele explica que na criminalística o trabalho acontece nos locais de registro de morte violenta como homicídios, suicídios, incêndios, acidentes de trânsito, mortes com suspeita de violência e as chamadas perícias mecânicas, verificando anormalidades em veículos que possam ter influenciado em um acidente, por exemplo. “Fizemos o atendimento do local e no recolhimento de elementos de munição. Em homicídios vamos no local identificar a dinâmica, pegar elementos que permitam a identificação do autor, vestígios de sangue, impressões digitais, projéteis que estejam no local. Temos peritos em regime de plantão sempre, fotógrafos e técnicos em perícia”. Nessa área 6 peritos trabalham, incluindo fotógrafos e técnicos em perícia.

A medicina legal, além da necropsia, faz os exames de lesões corporais nos vivos, comprovando ou não a incapacidade, deformação e ainda em casos de tiros, quantos foram, além de estudar a trajetória da bala. 


Exame psicotécnico 

Em 2003 quando houve concurso para perito do IGP, 60% dos candidatos reprovaram no exame picotécnico, que avalia a personalidade, as condições emocionais. O teste é seletivo e demonstrou a dificuldade do ser humano em lidar com esse tipo de trabalho. “É um teste bem seletivo, para que somente quem tem condições de suportar cenas violentas possam entrar”.


Números da 4ª Coordenadoria Regional do IGP

6 peritos

4 fotógrafos criminalísticos

4 papiloscopistas


O IGP no RS

58 fotógrafos criminalísticos

119 papiloscopistas

301 peritos criminais

153 peritos médico-legistas

248 técnicos em perícia - essas são as carreiras típicas do IGP

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