Uma casa na Kombi Del Sur

Casal de Carazinho transforma kombi 1974 em uma casa sobre rodas e pretende chegar ao Alasca em três anos

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Felipe e Bruna já viajaram por diversos países da América do Sul. (Foto: Arquivo Pessoal) Felipe e Bruna já viajaram por diversos países da América do Sul. (Foto: Arquivo Pessoal)
Felipe e Bruna já viajaram por diversos países da América do Sul. (Foto: Arquivo Pessoal)
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Quando questionados sobre o sentimento que tem envolvido seus corações no último ano, Bruna Anacleto e Felipe Granville responderam que a liberdade e o fascínio têm estado presente em cada canto da kombi bege datada de 1974, uma rara corujinha que foi nomeada como Kombi Del Sur. Em transformação desde julho de 2022, a casa sobre quatro rodas do casal carazinhense deve ficar pronta até o mês de agosto, quando eles então embarcam na aventura de viver em uma kombi enquanto rumam com destino ao Alasca. 

Foto: Arquivo Pessoal


O amor pela Volkswagen 

A história da kombi 1974, com um motor 1500, ainda original, começou longe de Carazinho, nas proximidades de Chapecó, com um senhor que era jardineiro e transportava gramas de lá para cá. Quando caiu nas mãos de Bruna e Felipe, em 2016, a kombi estava destruída, sem assoalho e bancos. Foram quatro anos até que ela ganhasse a merecida reforma, pintura e um motor que pudesse os colocar na estrada. 

Logo após se conhecerem, em outubro de 2014, o casal brincava que um dia ainda iriam largar tudo e viver em uma kombi, carro que fez parte da infância de ambos. “Eu sempre fui muito apegada a esse tipo de veículo porque meu avô materno tinha uma e nos levava para passear, então sempre tive esse sentimento de querer ter uma kombi”, conta Bruna, que tem 30 anos. Para o companheiro Felipe, de 37 anos, os carros da Volkswagen são a marca da família. Com o pai mecânico, o primeiro que passou pelas mãos dele foi uma kombi, junto com o clássico fusca. “Quando eu era criança, brincava e achava o carro um máximo porque tinha um espaço imenso. Aí, eu fui criando esse apego aos carros da Volkswagen”, relata ele. 


Unidos caminhos 

Pegando o mesmo ônibus com destino a Passo Fundo todas as noites durante a graduação, foi só depois da faculdade que o casal se conheceu. Após o primeiro encontro, as viagens de ônibus passaram a ser América do Sul afora, se transformando em um mochilão para o Uruguai em 2017.

Somando Argentina, Chile e Paraguai ao roteiro, Bruna conta que pela formação em história e a especialidade em história indígena e afro-brasileira, muitas das viagens do casal tinham o objetivo de ir além dos pontos turísticos. “Eu gosto muito de arte, antropologia, e por estudar muito a história da América Latina acabou que nossas viagens tiveram esse objetivo de conhecer mais o povo, as pessoas que compõem a América do Sul e fazem a construção da identidade Latino Americana”, relata ela, que é professora. “Já fomos para regiões que geralmente as pessoas não conhecem, mas entramos lá para conhecer e viver um pouco do que aqueles povos vivem”, completa Felipe. 

Apesar de ter iniciado a graduação em engenharia mecânica, Felipe encontrou na arte fotográfica uma de suas paixões. Unindo a fotografia e o conhecimento histórico de Bruna, o casal desenvolveu diferentes projetos em Carazinho voltados à cultura indígena, até a criação de uma Casa de Cultura, a Arteria, que funcionou de 2016 a 2018 no município. “Fomos mesclando essas atividades tanto de viagem quanto de permanência lá em Carazinho, o nosso trabalho, ideias, para então juntar e convergir para a kombi”, esclarece Felipe.


Do fogo à glória

Com a kombi reformada e pronta para ser colocada na estrada, Bruna e Felipe convidaram mais três amigos e juntos marcaram o fim do mundo no mapa. Ushuaia, na Argentina, seria a primeira viagem da kombi, em meados de 2020. “Até o fim do mundo, cinco pessoas dentro da kombi e ela simplesmente pegou fogo nesse processo. Fomos resgatados por bombeiros voluntários de uma cidade chamada Chacarita e acabamos criando amizades com essas pessoas”, relata Bruna. 

Com o fogo apagado e o problema identificado, a volta para casa trouxe a pandemia e a pausa nas viagens. Quando o vento voltou a bater na corujinha, em janeiro de 2022, a concepção de que a estrada era o lugar tanto da kombi quanto de Bruna e Felipe, chegou, não podendo mais ser reservada às férias do trabalho. “Em janeiro voltamos para Patagônia e para Ushuaia. Visitamos os bombeiros que nos resgataram e quando estávamos voltando, mutuamente, percebemos que não dava para ser só 20 dias. Não íamos conseguir mostrar o mundo através das nossas concepções só em 30 dias de férias”, relembra Bruna. “E aí, quando retomamos a Carazinho, decidimos que iríamos fazer disso um projeto de vida”. 

Foto: Arquivo Pessoal


Kombi Del Sur 

Antes que a kombi começasse a sair do papel, ela precisava de um nome que fosse um marcador de quem e de onde Bruna e Felipe eram. Inspirada na obra de Torres García, em que a América Latina é desenhada invertida, o casal explica que a Kombi Del Sur é a materialização de um enfrentamento de que é possível fazer com o que você tem em mãos. “Essa pintura era uma crítica e uma provocação justamente para a ideia de que se a gente fosse o norte, nós seríamos mais desenvolvidos. O mundo enxergaria a gente dessa forma”, explica Bruna a respeito da obra. “Então sempre pensamos dessa forma com a Kombi Del Sur: não é um carro grande, não é um carro chique, mas se fosse outro carro, faria o que a gente faz?", reflete, lembrando que com isso acabam trazendo o sentimento de valorização da América Latina, desvinculando de visões eurocentristas e colonialistas. “Por mais que a kombi seja um carro alemão, a nossa é del sur”.

Foto: Arquivo Pessoal


Rumo ao Alasca 

Viajando sempre durante o período das férias, Bruna e Felipe tinham dias contados para percorrer cada novo horizonte. Agora, os pontinhos de visita marcados vêm acompanhados de calma. Com destino final o Alasca, o casal pretende percorrer em um ano e meio a América do Sul, depois ficar mais um ano na América Central e meio ano na América do Norte, permanecendo três anos na estrada. A intenção é que a Kombi Del Sur chegue ao Alasca antes do inverno, com um pré-roteiro que passa por todos os países do continente. “A gente sabe a ida, mas depois, não sabemos. As pessoas perguntam o que vamos fazer depois, mas não sabemos nem se a kombi vai chegar até lá, então depois a gente senta e planeja os próximos continentes”, diz o casal. 

Foto: Arquivo Pessoal


A construção da casa 

A construção de uma kombi home passa por diferentes processos desde a forração, parte mecânica, elétrica, hidráulica, pintura à instalação dos móveis. Conforme os cálculos do casal, eles estimam um custo de R$ 19 mil para que a casa seja razoavelmente segura, funcional e aconchegante. “Esse é um projeto bem simples, com tudo pesquisado na internet, barato e nada luxuoso, nem que ocupe muito espaço. Outras coisas até reaproveitamos, para poder economizar", conta Felipe, elencando a parte elétrica como a mais cara. “Temos bateria, transformadores, placas solares. Mas a gente sabe que pode sair sem tudo isso. Se não der pra fazer tudo que está no nosso orçamento, que seria pra ter total autonomia, a gente sai com o que der, com nosso fogareiro”, brinca o casal, relembrando a viagem que fizeram e se transformou quase em uma espécie de acampamento. 

Foto: Arquivo Pessoal

Sem gastos com a mão de obra, Bruna e Felipe têm utilizado os finais de semana e dias de folga para construir a kombi na garagem de casa. Trabalhando na forração do automóvel, o casal já elaborou um teto articulado para ser possível ficar em pé para cozinhar, tomar banho e trocar de roupa de maneira mais confortável. “Fizemos uma espécie de salão, com o teto articulado bem no meio, elevando cerca de 40 cm. Essa vai ser a área da cozinha e também do nosso chuveiro, onde vamos colocar uma lona e usar o chão como ralo”, explica Bruna.

Além do chuveiro e da área da cozinha, que terá pia, fogão, forno e uma mesa articulada, o casal irá construir baús e armários aéreos para guardar objetos pessoais, equipamentos eletrônicos e de escalada. “Estamos agora na forração, depois temos a parte elétrica, hidráulica e por último o motor, o elemento mais caro, já que vamos trocar o motor original por um mais potente”, explica Felipe. 

Ao todo, a kombi tem 2,5 m de comprimento e 1,5 m de largura, espaço que compreende a divisória do banco do motorista até o porta-malas. “Vamos tentar ser o máximo compactos, utilizando móveis inteligentes, que sejam práticos, tanto que a cama quando fechada vira uma espécie de sofázinho”, completa Felipe. “Mas com o tempo vamos juntando as coisas como se fosse uma casa normal como as outras”. 

Foto: Arquivo Pessoal


O que não cabe na kombi 

Quando decidiram iniciar o projeto da Kombi Del Sur, um processo de desapego se instalou na casa do casal, com a venda de tudo que possuíam. “Por fim, é se desvincular dessa ideia de que precisamos ter coisas guardadas porque não sabemos o dia de amanhã. O que importa para nós agora é isso, o que queremos fazer agora”, reflete Bruna. 

Foi a partir desse sentimento que o casal criou um perfil para vender tudo que não cabe na kombi, presente no instagram como @naocabenakombi. “Tudo que não servir na kombi, vamos vender para poder criar uma reserva financeira e custear as nossas reformas”, explica Bruna. Saindo das telas, o casal começou a participar de eventos culturais em Carazinho e Passo Fundo, vendendo itens da casa, cartões postais das viagens já feitas, cadernos personalizados e artes pintadas por Bruna. 

Foto: Arquivo Pessoal


Nomadismo digital

Formando uma reserva de dinheiro para os seis primeiros meses de viagem, o plano de Felipe e Bruna é continuar trabalhando enquanto estão na estrada, de modo a aproveitar as ferramentas que a internet proporciona. “Temos essa reserva de dinheiro porque não sabemos a recepção dos países que iremos, visto que a gente conhece os países da América do Sul, mas não sabemos como vai ser na América Central e do Norte”, pondera o casal.

Atuando como videomaker e editor de vídeo e foto atualmente, Felipe deve permanecer no ramo, enquanto Bruna pretende investir na arte das tatuagens, desenvolvendo seus próprios desenhos, já que não será possível seguir como professora. 


Liberdade e fascínio 

Movidos pela cultura e pelas montanhas, sendo dois apaixonados pela aventura que subir um morro ou um vulcão proporciona, ambos tem, acima de tudo, o fascínio pelo movimento e o desprendimento da vida. “Liberdade. Pensar que não estamos presos. A gente até criou um lema para a kombi: a vida é curta, mas o mundo é grande. Não estamos fixos em lugar algum, podemos conhecer esse mundo”, pondera Bruna. “E eu tenho fascínio. Fascínio pela alteridade de quando a gente está em movimento, de conhecer coisas novas, conhecer pessoas incríveis”, acrescenta Felipe. “É liberdade. É possível sim e não é preciso tanto glamour ou dinheiro para isso”. 

Foto: Arquivo Pessoal

Presentes no instagram como Kombi Del Sur, Bruna e Felipe criaram uma comunidade que tem apoiado o projeto tanto financeiramente quanto com o espírito aventureiro, companheiros que estarão junto com o casal nos próximos três anos. "Não estamos só nós dois indo viajar. Estamos levando muita gente junto porque muitas pessoas que encontramos falam que não podem ou não iriam conseguir sair viajando", reflete Bruna. "Então estamos levando essa galera junto para mostrar o mundo para elas também. Isso nos motiva e muito", completa o companheiro Felipe. 


Financiamento coletivo

A Kombi Del Sur possui um Apoia.se para ajudar na construção da casa na Kombi. Acesse e conheça as possibilidades de financiamento coletivo. 

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