Sem racismo não haveria a escravidão

“A verdadeira história da população negra nunca foi contada”

Por
· 3 min de leitura
William Reis: “não foram os negros que criaram o racismo”   -  Foto – André Gomes de Melo-DivulgaçãoWilliam Reis: “não foram os negros que criaram o racismo”   -  Foto – André Gomes de Melo-Divulgação
William Reis: “não foram os negros que criaram o racismo” - Foto – André Gomes de Melo-Divulgação
Você prefere ouvir essa matéria?
A- A+

Escravidão, desigualdades, história, religião, mitos e incontáveis fatores chegam à mesa para falar sobre racismo. William Reis, empreendedor social, palestrante e curador de eventos, fala sobre o racismo e suas origens, além de apontar caminhos para mudar um vergonhoso cenário incrustado na sociedade brasileira. Graduado em Educação Física, tem seu nome vinculado ao Grupo Cultural AfroRegaae, ONG da qual foi o coordenador executivo. Já palestrou em oito países e carrega muita experiência em projetos e consultoria em ESG - sustentabilidade ambiental e social. A convite da UPF, participou do VII Congresso Internacional de Jurisdição Constitucional Democracia e Relações Sociais, ontem, quando abordou o tema “Inclusão social – educação antirracista”. Do alto de sua vivência com o terceiro setor, William prontamente atendeu O Nacional para falar sobre racismo.

Estrutura, desigualdades e autoestima

“É necessária uma abordagem sobre racismo estrutural, desigualdades raciais e autoestima”, disse para começo de conversa. “O racismo estrutural é um ciclo vicioso no Brasil. É difícil tentar quebrar esse ciclo”, enfatizou William. Na sequência, destacou as desigualdades raciais que estão escancaradas nas estatísticas socioeconômicas, e, o aspecto que mais atinge a dignidade humana: a autoestima. “Quando você é negro, faz um trabalho de autoestima e se cura, você se torna uma outra pessoa. Quando tudo é negativo, tendo autoestima e influenciado pelos outros você será confiante”. E como fazer isso? Ele resume em uma frase. “Entender onde você vive e para onde tem que ir”.

Mentiras do diabo

A questão estrutural passa obrigatoriamente pela Fé. Filho de Ogum com Exu, William segue o Candomblé, uma religião afro-brasileira. “A verdadeira história da população negra nunca foi contada. Isso é incompreensível no âmbito educacional e com isso aparecem as mentiras”. Falando em mentiras, o diabo não poderia ficar de fora. “Todo mundo pensa que o diabo é Exu. Mas o diabo não existe na tradição africana, é coisa do ocidente. São essas mentiras que ajudaram na intolerância religiosa com a qual convivemos”. A explicação segue, pois são infinitos os exemplos. “Quando falamos nos filhos de Thor é mitologia nórdica (branca), mas temos Xangô com seu machado que representa a justiça, esse de origem africana”.

Políticas de prevenção

No aspecto estrutural, William Reis aponta caminhos para virar a mesa das desigualdades e, consequentemente, atacar o racismo. “Necessitamos mais políticas afirmativas para a população negra. Que não fique só na punição, pois são necessárias políticas de prevenção ao racismo”. Exemplifica com a Lei 10.630 que torna obrigatório o ensino das culturas africana e afro-brasileira nas escolas. “Não é aplicada (Lei) porque esbarra no racismo, no preconceito religioso e na falta de compromisso do governo federal de preparar os centros de ensino para terem essa matéria”. Para reforçar a inoperância institucional, diz que estamos num país violento. “No Rio, o governo gasta bilhões com a população carcerária, mas não tem respaldado a prevenção à violência. Parece que o racismo existe apenas no Sudeste, mas está também em outras regiões, como Norte, Nordeste e Sul. Na luta antirracista temos que olhar para outras regiões e não apenas para o eixo-Rio-São Paulo”, completou.

As desigualdades

Quando se fala na desigualdade que afeta à população negra, isso é traduzido em política, educação, saúde e mercado de trabalho. “É toda a estrutura que sustenta o racismo. Isso é o racismo institucional, concentrado em todas as estruturas de poder, onde os brancos têm muito mais privilégios no Brasil”, afirma o empreendedor social.

Grupo Cultural AfroReggae

Na abordagem sobre educação antirracista, William usa um case que conhece muito bem: o Grupo Cultural AfroReggae. O movimento iniciou com o Jornal AfroReggae, no Rio. “Foi o primeiro veículo da cultura afro-brasileira e, consequentemente, surge a ONG que hoje é um grupo cultural. O objetivo é afastar os jovens da influência do tráfico. Há 30 anos o AfroReggae luta contra o racismo.” Para isso utiliza oficinais culturais, formou uma agência de empregos com egressos do sistema prisional dirigida também para egressos do sistema prisional. Tem, ainda, o AfroGames, um projeto de formação e educação tecnológica, além de outros projetos de combate ao racismo.

 O que é o racismo?

“Para mim é uma falácia onde tudo que é branco é melhor que negro, justificativa para a escravidão que até hoje permanece como ferramenta para excluir, prender e matar pessoas negras no Brasil. Sem racismo não haveria a escravidão. Logo, essas justificativas tiveram que ser sustentadas através da demonização religiosa, teorias ‘científicas’ e demonizar tudo que é negro. A luta contra o racismo é de todos os brasileiros. Não foram os negros que criaram o racismo. Toda pessoa branca tem o dever moral de se posicionar contra o racismo”.

 

Gostou? Compartilhe