Crônicas de uma década

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Como eleger os melhores livros da década se alguns dos maiores clássicos da literatura precisaram de séculos para ter seu mérito reconhecido? Os anos 2000 foram essencialmente marcados por best-sellers, verdadeiras febres literárias que atingiram crianças, jovens e adultos de todo o mundo com a mesma intensidade, mas é provável que nos lançamentos mais despercebidos é que estejam as verdadeiras preciosidades deste início de milênio. Por isso é que o Segundo elege aqui não apenas os grandes sucessos de vendas nas livrarias, mas também os excelentes trabalhos atuais de autores consagrados e algumas surpresas a mais

Marina de Campos ON

Um livro é eterno e atemporal. Importa se a Odisseia de Homero foi escrita oito séculos antes de Cristo e os Irmãos Karamazóv de Fiodor Dostoievski só tem simples cem anos? Se, três anos antes de Salinger dar voz à juventude e escrever o Apanhador no Campo de Centeio, Orwell foi buscar no futuro a trama para o seu distópico 1984? Se Dante escreveu antes de Cervantes sua divina obra-prima e Dom Quixote quase ficou para trás? Se A Metamorfose de Kafka se deu em 1915 e apenas em 1967 García Márquez passou Cem Anos de Solidão? Há de importar mesmo o precioso conteúdo encerrado nestas incontáveis milhares de páginas, a intensidade com que cada frase se entrelaça e a potência destruidora do resultado final. Há de importar o poder que terá um livro depois de escrito - dez anos, mil anos depois. Importante, sobretudo, é o seu efeito transformador sobre um único indivíduo, a intransponível capacidade de se moldar à realidade do leitor e falar a ele como um amigo de alma e coração. O milagre de tornar ficção a trágica história da humanidade - a trágica e fatalmente bela história de todos nós, homens e livros.

Se é assim, se perdem-se no tempo e não precisam ser acompanhados de data os grandes romances da história, como demarcar um limite de tempo tão pequeno e querer extrair daí os melhores? Têm razão aqueles que criticam as listas apressadas quando o assunto é literatura, pois um livro precisa de tempo para amadurecer, se completar de leitor a leitor e de leitura a releitura, ganhar sua verdadeira e independente forma, pertencer finalmente ao mundo e não mais ao seu autor. Tentamos mesmo assim, na ânsia de ultrapassar o futuro e declarar os vencedores de um jogo que ainda nem terminou, parecendo buscar nisso as certezas que não possuímos diante de outras assombrosas perguntas: com o desenfreado avanço da tecnologia, o que afinal será do livro, o que restará para a sempre injustiçada, mas nunca amedrontada literatura? Restam coragem e histórias para contar. Mais que isso, multidões de entusiastas que não deixarão de ler enquanto viverem, seja no sossego do mato, seja do alto de uma nave espacial. Apesar dos pesares, é de acreditar que tudo ficará bem. O papel ainda seduz, as palavras ainda emocionam e o amor continua a brotar entre homens e livros, afinal.

A lista dos livros você confere na edição do Segundo desse final de semana (23-24)

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