Pablo Morenno
Há uma febre no mundo por programas que devassam a intimidade dos participantes. O público adora, e adorando a febre aumenta. Como dizem na política, deve valer também na cultura: "cada povo tem o programa que merece".
Contra o governo, somos todos. Não vou gastar estas linhas com ele. Tampouco, desejo atacar a egolatria dos confinados, não leem, não falam de cultura, ignoram os problemas do país, brigam por comida... Asfixiados por seu cordão umbilical, se parecem ao cachorrinho da minha sogra que se divertia no pátio tentando morder o próprio rabo.
Prefiro falar de nós - embora muitos não se achem - partes do povo. Obcecados em devassar a intimidade dos outros, com unhas e dentes defendemos a nossa. Todos defecamos, urinamos, temos gases intestinais e estomacais, unha encravada de vez em quando. E a alma? Eis lá dentro algum segredo, um desejo não revelado, uma confidência reservada, um medo só pela mãe conhecido.
É no espaço da intimidade onde se constroem os laços afetivos. Graças a ele as estruturas públicas não desmoronam. Condena-se, por exemplo, o assédio sexual no trabalho. O chefe, ou a chefe, podem ter desejos sexuais. Ninguém é insensato o suficiente para crer que, ao assumir um cargo, um homem em idade reprodutiva, ou uma mulher em idade fértil, professe também a castidade. No entanto, o espaço público é regrado para que não aconteçam desequilíbrios comprometedores da estabilidade social. Da mesma forma, não fica bem a um juiz arrotar na sala de audiência, ou a um professor urinar no canto da sala, mesmo sabendo-se que em algum lugar devam fazê-lo.
Os programas mostram a casa, lugar da intimidade por excelência. Mas a casa de portas escancaradas e a invasão consentida. Já se sabe, os programas que reproduzem algum espaço público, como o do trabalho ou o das ruas têm pouca audiência.
Devemos à privacidade, à intimidade, aos segredos, os elos mais fortes das relações afetivas. Apenas ao amado, ou à amada, mostro a nudez absoluta do corpo e da alma. Ou à mãe, ao pai, à amiga, ao amigo, sempre pessoas muito especiais. É horrível quando esquecemos o banheiro destrancado e alguém adentra. A intimidade está sempre embalada para presente. Abrir o pacote é um momento mágico para quem doa e quem recebe.
Para quem deixaremos nossa intimidade? Onde guardaremos os segredos mais especiais? Se a casa não é mais segura, para onde nos recolheremos depois de tantos papéis públicos?
É certo, os reality shows mostram a realidade. Esta é a realidade: um rato imenso rói a fronteira da intimidade. Enquanto as figuras de lá ganham muito dinheiro para serem violadas, nós aqui perdemos as poucas moedas que possibilitariam construir com dignidade as redes afetivas que, simbolicamente, rodeiam e protegem nossa casa. Cada um precisa ter ao menos um pouquinho de segredo. Quando aparecer alguém muito especial teremos algo que ninguém viu para mostrar.