Pablo Morenno
Eu aguardava na sala dos professores para a próxima palestra, entrou um garoto com uma mochila nas costas e um skate debaixo do braço. Estava em um colégio público, em Santa Cruz do Sul.
- Tio, li seu livro na escola e achei trimassa. Quando ouvi sua palestra hoje pela manhã, passei a gostar mais ainda. Só de que manhã eu tava sem um pila. Aí, fui pra casa e pedi um adiantamento de mesada, já comprei o livro deste mês quando o Fabrício Carpinejar esteve aqui anteontem.
Era Johannes, 16 anos. Estava indo para sua aula de guitarra. Johannes me falou que todos os meses compra um livro com parte da mesada. Contou a história de como tudo começou há dois anos, em uma semana literária do colégio. Quando foi pedir dinheiro para seu pai para comprar um livro, recebeu a notícia de o valor seria descontado da mesada do próximo mês. O boné da Nike deu lugar a um livro. Para sua surpresa, ao receber a mesada do mês seguinte, o pai, ao invés de descontar o valor, o restituiu. "Para que continues comprando livros", lhe disse.
Conto o caso de Johannes porque, graças a um trabalho do Rotary Club, sabe-se o grande número de analfabetos no Rio Grande do Sul, 401 mil. O mapeamento, por outro lado, mostrou que Passo Fundo, Capital Nacional da Literatura, é um dos municípios com maior número, 6.264. Trata-se, como se sabe, de analfabetismo no sentido estrito. Se tomássemos um entendimento mais amplo, aquele da ONU, capacidade de ler e entender, o número seria dez ou 20 vezes maior.
Participei no ano passado de dezenas de experiências de leituras dos mais variados tipos em todo o estado. São projetos envolvendo escolas, prefeituras, cidades inteiras. Conversei com crianças, jovens, adultos, pais, professores e idosos. Nesses encontros, pude ver como ser alfabetizado é apenas um pequeno passo. A leitura dos livros é sempre precedida pela leitura do mundo e a ela retorna, disse Paulo Freire. Saber ler e escrever vai muito além do letramento. Em comunidades em que a leitura é levada a sério, aumentou o envolvimento dos jovens com a comunidade, diminuíram os atos de vandalismo, cresceu o número de voluntários em projetos sociais e o aproveitamento escolar melhorou.
Estudiosos da leitura notam a perda de interesse pelo livro com a chegada da adolescência. Argúem-se várias hipóteses. Johannes me fez perceber ou reafirmar a minha. Como vivemos em uma sociedade capitalista, é urgente tornar o livro um objeto de consumo. O livro precisa tornar-se algo como o celular, uma roupa de marca, um tênis importado, algo necessário e que dê status social. Os jovens adoram objetos desse tipo. E não é por culpa deles. Eles apenas introjetam valores desse mundo construído pelos adultos.
Acho que essa história de se vender o livro como um objeto cultural não está com nada. O livro precisa mesmo é entrar no mundo fashion, das baladas, das raves, do iPod.
Imaginarmos adolescentes com um skate debaixo de um braço e um livro debaixo do outro, pode não ser um sonho assim tão distante. Eu tive a felicidade de ver um dos primeiros. Família e escola podem ser bons parceiros de um novo projeto.
O menino do skate
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