Sobre a beleza fugaz de cada instante

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Por Francisco Fianco
Dr. em Estética e Filosofia da Arte
Professor IFCH-UPF
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Como disse Milan Kundera, já no início de seu belo e riquíssimo livro, A insustentável leveza do ser, com o pensamento do eterno retorno, Nietzsche nos coloca frente a um dos mais intrincados desafios intelectuais. Através desse "mito insensato", Nietzsche vai dizer que a vida realizada como existência única é dotada de uma extrema leveza, pois cada ação nossa desaparece assim que é executada. Isso, sem dúvida, ameniza o peso da culpa de nossas ações, retira-lhes o peso. Mas, por outro lado, diminui nossas alegrias, pois se algo vai acontecer uma única vez em toda a eternidade para depois apagar-se inexoravelmente, é como se já não existisse, como se nem mesmo tivesse acontecido, de maneira que cada momento seja invalidado pela sua condenação antecipada a desaparição. Mas, se tomarmos como ponto de partida o exercício hipotético descrito por Nietzsche no parágrafo 341 de A Gaia ciência, título que, aliás, poderia ser melhor traduzido como O Conhecimento da Felicidade, perceberíamos que a proposta de Nietzsche é justamente acrescentar peso a nossas ações, muito peso. O aforismo se chama, na verdade, O mais pesado dos pesos, e propõe a seu leitor que imagine uma existência que se repetirá exatamente igual em todos os seus detalhes, até mesmo no ato de estar agora lendo este texto, de ter feito exatamente o que acabou de fazer, a poeira sobre o assoalho, a sensação do contato dos dedos com o papel, tudo, até mesmo os detalhes que não percebemos, tudo se repetirá de forma exatamente igual, não apenas cem, mil ou um milhão de vezes, mas infinitamente. O peso da repetição prende de forma mais estável nossa vida ao chão firme da realidade, mas, em compensação, pode se tornar um peso esmagador ao pensarmos que cada tristeza, cada miséria, se repetirá infinitamente através dos tempos.

Na sequência, Nietzsche pergunta a seu interlocutor imaginário se ele se jogaria no chão, rangendo os dentes de raiva por uma tal condenação tão atroz, ou se saudaria aquele que lhe revela essa sentença como a um anjo anunciador de uma alegria infinita. A provocação de Nietzsche tem, no fundo, uma intenção libertadora, pois o parágrafo conclui dizendo que, frente a cada decisão importante, a cada realização da obrigação e do dever, deveríamos perguntar se queremos realmente aquilo em nossa vida não apenas agora, mas em todas as suas infinitas repetições. Dessa forma, a partir do peso, não apenas ganharíamos a capacidade de escolher apenas o que for mais importante para nossas vidas, deixando de lado as superfluidades e sendo capaz de afirmar que sim, amamos nossa vida e tudo o que dela faz parte a ponto de querermos que tudo isso se repita pela eternidade, como saberíamos exatamente o que é que não queremos pela eternidade afora, pois o peso dessa condenação deve nos estimular a tomar as rédeas de nossas vidas e a mudar tudo aquilo que não suportamos mais, para evitar a sua repetição infinita.

Esse pensamento obscuro é, de certa forma, uma tentativa de valorizar a vida e tomar a posse autônoma do rumo dela, pois tanto Nietzsche quanto nós todos sabemos que, na verdade, a vida não vai realizar essa repetição infinita, e sim ser a seqüência fugaz de nossa existência em sua insustentável leveza, de maneira que, para podermos nos contentar com a sua fugitividade, devemos dar o valor da eternidade a cada momento, reconhecendo a beleza e o valor eterno de cada gesto nosso para com as pessoas que amamos e delas para conosco, a fim de que possamos dizer quando nos perguntem sobre a repetição infinita da vida: Sim, eu quero!

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