O Sir que morreu acreditando em fadas

Nos 80 anos da morte do criador de Sherlock Holmes, o Segundo relembra um dos episódios mais interessantes de sua vida: convencido da existência de fadas, Conan Doyle deu fama mundial ao caso das Fadas de Cottingley

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Marina de Campos

Por conta das travessuras de duas inconsequentes garotinhas inglesas, um dos maiores escritores de todos os tempos morreu acreditando piamente na existência de fadas. Sim, a você pode parecer ridículo, mas para um homem que devotou a própria vida a um detetive, fotografias deveriam ser encaradas como provas cabais, incontestáveis. E foi exatamente isso que a pequena Elsie Wright e sua prima Frances Griffiths ofereceram ao mundo e, principalmente, à fértil imaginação de Sir Conan Doyle: uma série de fotografias tiradas em um lindo dia de verão, no jardim de casa em Cottingley, Inglaterra, cada uma contendo um ou mesmo uma dezena de pequenos seres fantásticos, espécies de fadas e minúsculos duendes pairando no ar entre as árvores e pousando docilmente naqueles joelhinhos e pequeninas mãos delicadas que jamais poderiam ser tão maquiavélicas a ponto de inventar tudo isso.

Foi o que o criador de Sherlock Holmes pensou. Mas ele, como toda a sociedade da época, foi completamente enganado pela mistura de esperteza e inocência – sim, porque se tivessem noção das proporções que o engrupe ganharia, as duas jovens britânicas teriam confessado antes que, em plena década de 1920, foram responsáveis por um dos maiores golpes da história da fotografia. Seria engraçado, não fosse um detalhe: a história toda só foi desvendada em 1982, quando Elsie já tinha mais de 70 anos e nenhum motivo para continuar com a farsa. Ou seja, Conan Doyle morreu acreditando no tal caso e vendo-o como uma prova irrefutável da existência desses seres fantásticos. Tanto que, em 1921, nove anos antes de seu falecimento, publicou A chegada das fadas, em que demonstra estar totalmente convencido da veracidade das imagens das fadas de Cottingley, e desenvolve uma longa teoria sobre a natureza e seus muitos mistérios.

E não foi só isso. O autor, além de excêntrico na criação de seus personagens – em determinado momento de sua carreira, chegou ao cúmulo de assassinar Holmes em um de seus livros, sendo duramente criticado por seus próprios fãs – era também dado a crenças das mais variadas. Por algum tempo, Doyle foi amigo do mágico Harry Houdini, que se tornaria um grande oponente do movimento espiritualista na década de 1920 após a morte de sua mãe. Embora Houdini insistisse que os médiuns espiritualistas faziam truques de ilusionismo, o escritor já estava convencido de que o próprio Houdini possuía poderes sobrenaturais – ponto de vista expresso em O limite do desconhecido. Não bastasse isso, o historiador norte-americano Richard Milner possui um estudo no qual aponta que Conan Doyle pode ter sido o responsável pelo boato do homem de Piltdown de 1912, criando um fóssil hominídeo falso que enganou o mundo científico por mais de 40 anos. Milner disse que o motivo do autor era de se vingar do estabelecimento científico por desbancar uma de suas físicas favoritas, dizendo ainda que O mundo perdido continha várias pistas criptografadas que indicavam seu envolvimento com o boato.
Mas afinal, como Doyle e o restante do mundo puderam ser enganados por duas meninas? Por não encontrar uma resposta, o caso de Cottingley permaneceu como uma das incógnitas do século 20 por cerca de seis décadas. Nos anos 1970, Elsie e Frances, então senhoras idosas, foram entrevistas pela BBC e insistiram na autenticidade das fotos, afirmando que, “se você pensar seriamente em alguma coisa, ela se tornará sólida, real. Acredito que as fadas eram invenção da nossa imaginação”. Tudo bem até aí, e Conan Doyle poderia estar dormindo em paz até hoje, se dez anos mais tarde ambas não tivessem admitido ao jornalista Joe Coope que haviam forjado tudo. O mistério se transformava em pó: inspiradas não se sabe em quê, as jovens garotas recortaram desenhos das fadas de um livro chamado Princess Mary's Gift Book e as colaram em papelão, pendurando-as em seguida nos galhos das árvores com alfinetes de chapéu, criando um efeito realmente surreal. Na ocasião, Elsie ainda comentou: “Frances lembrou-se de ter ficado chocada ao ver como algumas pessoas acreditavam nas suas histórias. Afinal, os alfinetes estavam bem visíveis em algumas fotos — mas, ainda assim, ninguém os notou.” Não é o talento para a fotografia que explica o caso das Fadas de Cottingley. A explicação, aqui, é muito simples: as pessoas acreditam no que querem crer.

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