Tachado tanto de genial e inovador quanto de pretensioso e decepcionante, novo filme de Christopher Nolan traz Leonardo DiCaprio e grande elenco em realidade futurista com visual à la Matrix. Ladrão de sonhos, o protagonista encena o que pode ser uma das próximas revoluções tecnológicas da humanidade, ou talvez só mais uma história de assalto em cenário surreal
Marina de Campos
Henry Case é um hacker do futuro que se aventura penetrando no ciberespaço - uma região virtual tridimensional onde praticamente toda a informação do planeta está reunida - para roubar dados valiosos. Don Cobb, por sua vez, é um especialista em invadir a mente das pessoas durante o sono, roubando segredos de seu subconsciente. Na época em que Case foi criado, ainda não havia a mais distante possibilidade de um ciberespaço tão real e palpável quanto o que existe hoje. É por isso que, agora, com a criação de Cobb, o cenário não poderia ser simplesmente a internet: é preciso imaginar além, para que daqui a 20 anos se possa chegar lá. O paralelo entre Neuromancer, livro de William Gibson escrito em 1984 que originou Matrix, e A Origem, filme de Christopher Nolan que estreia hoje nos cinemas, não é por acaso. Assim como um previu o que aconteceria na virada do milênio, o outro faz alusão a um desejo implícito desde o início de toda essa insana corrida tecnológica: destruir qualquer limite e avançar com toda força rumo ao interior do lugar mais misterioso do universo: a mente humana.
Ação em detrimento da lógica?
Resta saber se A Origem tem consistência suficiente para se aproximar de um dos maiores divisores de águas do cinema da segunda metade do século 20 ou se é apenas mais um daqueles tradicionais filmes de assalto perfeito que dá errado, desta vez embalado em um visual arrojado e capaz de impressionar até os menos afeitos à tecnologia e efeitos especiais. Com paisagens distorcidas no sentido mais literal da palavra (esqueça o horizonte, pois ruas e prédios não mais acabam em algum lugar) o longa já deixa dúvidas desde aí, pois com isso pode muito bem ludibriar o espectador com grandes cenas e desviar a atenção da sua falta de conteúdo - e de lógica.
Claro que a lógica é uma exigência apenas para quem deseja um sucessor de Matrix, com sua trama impecavelmente amarrada e as metáforas com a realidade que chegam a deixar em dúvida a sua denominação de mera ficção. Algumas das críticas mais constantes até agora - nos Estados Unidos o filme estreou há algumas semanas e tem liderado as bilheterias desde então - são em relação aos muitos furos que A Origem deixa pelo caminho. Na trama, Don Cobb é um agente com habilidades especiais que o fazem ser cobiçado pelo mundo da espionagem, e acabam tornando-o um fugitivo. Como chance para se redimir, terá de parar de roubar pensamentos e passar a implantá-los - o que, na realidade do filme, seria o crime perfeito. Só que nenhum planejamento pode preparar a equipe para enfrentar um perigoso inimigo que parece adivinhar seus movimentos.
Com essa complexa premissa, temperada de referências à psicanálise, de projeções oníricas, subconscientes incontroláveis e todo um universo de inimagináveis atividades durante o sono, a nova produção de Nolan (recentemente aclamado por Cavaleiro das trevas, e lembrado também por Amnésia) abre muitas portas, mas, até o último de seus 148 minutos, consegue fechar poucas delas. Como que para compensar, o longa trata de caprichar nos seus aspectos de blockbuster, entre eles o fortíssimo elenco. Além de Leonardo DiCaprio no papel central, atuam revelações como Joseph Gordon-Levitt, de 500 dias com ela, e Ellen Page, de Juno, além dos ganhadores do Oscar, Marion Cotillard e Michael Caine. Falando em Oscar...
Chance de Oscar, com ou sem mérito
Difícil dizer o que, exatamente, determina o melhor filme do ano na opinião da Academia - principalmente depois da edição deste ano, quando o pouco convencional Guerra ao terror derrotou o preferido Avatar. De acordo com Sid Ganis, presidente da Academia em 2009, os protestos feitos pelos fãs de Cavaleiros das trevas quando o filme não entrou na lista dos cinco indicados à melhor filme do ano levou a organização a ampliar para dez indicações no ano seguinte. Para alguns, uma indicação de melhor filme para A Origem representaria uma compensação pela desfeita à outra produção de Nolan, mas é claro que ainda é muito cedo para dizer.
Outro fator que pode influenciar na indicação é o sucesso de bilheteria nas primeiras semanas de exibição. No fim de semana de estreia, a Warner Bros. arrecadou nada menos que 60,4 milhões de dólares só na América do Norte, sinalizando uma boa aceitação do público apesar das contradições. Como lembram alguns críticos, o fato de o filme estrear entre animações, adaptações de quadrinhos e uma porção de comédias adolescentes também pode ajudar, já que com apenas um pouco de criatividade fica fácil surpreender o público. O que se pode afirmar com segurança até o momento é que, assim como filmes visionários como 2001 - Uma odisseia no espaço, Blade Runner e o próprio Matrix, as opiniões se dividiram radicalmente no início, mas foram tomando apenas uma direção com o passar dos anos. Se A Origem vai entrar para esta seleta lista ou cair no esquecimento, responda você.