Depois de publicar Satori em Paris pela primeira vez no Brasil, L&PM lança mais duas obras inéditas do autor beat: Despertar e Anjos da Desolação. Em novembro, vem para a Feira do Livro o jornalista Eduardo Bueno, responsável pela tradução de suas principais obras para o português, entre elas o clássico On the road
Marina de Campos
Satori, uma palavra que começa e termina de forma brusca, com cada uma de suas três sílabas correndo em direções opostas, provocando vibrações sonoras completas, paradoxais, deslizantes. Uma daquelas palavras que, tão estranhas quanto fascinantes, só podem ter um significado grandioso, sem sinônimo exato ou qualquer aproximação. Em japonês, Satori significa literalmente entender. Mas algo assim como um despertar repentino, uma iluminação, de acordo com eles uma expansão de consciência equivalente aos termos sânscritos Nirvana e Samadhi, usados na Índia para indicar a mente calada nos seus quarenta e nove níveis. O preciso momento em que o plano mental e o plano espiritual se encontram, alcançando uma profunda verdade. Como dizem os sábios, o Satori é a súbita percepção interior, a faculdade de sentir a verdadeira realidade. Uma percepção de ordem elevada. O milagre da compreensão.
E uma coisa assim, claro, abala qualquer um. Jack Kerouac viveu o que se pode chamar de a experiência do Satori em plena Paris dos anos 1960, por simples mas longos dez dias, quando fazia mais uma de suas viagens alucinadas, desta vez com o objetivo de ir atrás do rastro de seus antepassados franceses que lhe deixaram de herança o sobrenome marcante. Simples demais para ser alterado, o nome se tornou tão evocado depois da publicação de On the road que acabou o levando a um interesse extremo. "Fui à França e à Bretanha apenas para olhar esse meu velho nome que tem cerca de trezentos anos e jamais mudou em todo esse tempo, pois quem mudaria um nome que significa simplesmente Casa (Ker) no Campo (Ouac)?"
Além de mais um bom capítulo da sua imensa odisseia autobiográfica, a viagem é também um insight sobre as descobertas do escritor a respeito do misticismo oriental, universo que se tornou cada vez mais fascinante aos seus olhos questionadores com o passar dos anos e as dificuldades da vida, e ainda um registro do sentimento que o acompanhou pelas ruas inebriantes da Europa e marcou as escolhas e os rumos que tomaria dali por diante. Lançado em 1966, Satori em Paris é um dos seus últimos livros, e demorou cerca de 40 anos para ser publicado no Brasil - chegando finalmente este ano, através da L&PM Editora. O título tem 128 páginas, tradução de Lúcia Brito e preço de R$ 12. Lançado em abril, foi apenas o primeiro de outros bons livros de Kerouac que a editora publica agora: Anjos da Desolação e Despertar.
Anjo da desolação
Se Satori vem bem depois do grande boom produzido na vida do autor por On the road, Desolation Angels narra uma de suas últimas experiências antes da longa viagem pelos Estados Unidos sob o pseudônimo de Sal Paradise. Passado no verão de 1956, quando trabalhou como vigia de incêndios no Desolation Peak, o livro mostra o confronto de um jovem Jack Kerouac com a finitude e a solidão. Única obra diretamente transcrita dos diários do beatnik, é considerada pelos críticos como um de seus textos mais autênticos, inicialmente concebido como duas obras separadas, escritas em lugares e épocas distintas, explicitando a transformação que se dá no autor-personagem ao longo das eras de isolamento.
Despertar, o livro perdido
Apesar de criado em um lar rigidamente católico, Kerouac esbarrou com o budismo em certa altura da vida e depois disso nunca mais foi o mesmo. O interesse teve profundo impacto nas suas ideias sobre espiritualidade e, claro, no desenvolvimento de seus romances. Uma preciosa obra para entender o budismo beat praticado e professado por Kerouac é Despertar: uma vida de Buda, considerado seu "livro perdido" já que foi escrito em 1955 e publicado somente em 2008. Nele, faz uma profunda meditação sobre a natureza da vida, a sabedoria e o sofrimento a partir da vida de Sidarta Gautama, refazendo o caminho do príncipe desde o seu nascimento num rico palácio até a decisão de renunciar uma vida regida pelos bens materiais, em busca da iluminação - nada muito diferente do que fez o escritor ao se lançar pela estrada em busca de tantas respostas.
O homem que revelou Kerouac (aos brasileiros)
Ele se tornou uma espécie de autoridade em Kerouac no Brasil depois que deu o pontapé inicial para a invasão beat por aqui, traduzindo não apenas o maior de seus clássicos, mas a maioria de seus principais títulos, cada qual revelando uma nova faceta de sua personalidade. Jornalista, escritor e tradutor, Eduardo Bueno - o Peninha - vem a Passo Fundo em novembro para honrar com papel de patrono da 24ª Feira do Livro. Um dos marcos de sua carreira, a briga para traduzir e publicar no país o livro On the road, mesmo com absurdos trinta anos de atrasado do lançamento original, deu a ele um mérito inquestionável de "embaixador" de Kerouac por estas bandas. Durante a presença dele por aqui você vai ficar sabendo mais sobre essa e outras histórias. Aguarde.