Marina de Campos
Qual é a história? Uma vez Noel Gallagher disse: “se tivéssemos parado depois do nosso primeiro álbum, já seríamos os maiores desde os Beatles”. É verdade, mas ainda bem que eles não fizeram isso e hoje o mundo tem (What's the Story) Morning Glory?, segundo disco do Oasis e obra que melhor representa toda uma geração confusa e questionadora que passou sua juventude nos anos 1990 e que decidiu colocar sua vida nas mãos de uma banda de rock'n'roll – que iria, sim, por tudo a perder.
Manhã gloriosa
Considerado o melhor álbum britânico no Brit Awards de 1996 e o melhor dos últimos 30 anos na edição de 2010, é também o 3º mais vendido da história do Reino Unido, atrás apenas de Greatest Hits, do Queen, e Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, dos Beatles. Vendendo incríveis 346 mil cópias na semana do seu lançamento, que aconteceu em 2 de outubro de 1995, o disco já alcançou 20 milhões de cópias vendidas ao redor do mundo.
Ou seja: além de um marco da carreira, é também uma das obras mais influentes das últimas décadas e o auge do movimento britpop — guerra que Oasis travou com Blur e, apesar de uma batalha perdida, saiu vencedor. Isso porque, em 14 de agosto daquele ano, as bandas se enfrentaram em um duelo comercial: lançados no mesmo dia, os singles Roll With It e Country House venderam respectivamente 216 mil e 274 mil cópias, dando vitória provisória ao Blur — devendo ser levada em conta a vantagem do seu valor, metade do preço do single do Oasis.
Para alguns, a disputa entre os dois membros mais colossais do britpop tinha outro significado. O Blur representando a classe média e alta, como uma banda de arte produzindo um rock mais elaborado. Já os integrantes do Oasis vinham da classe trabalhadora e fazia um som muito mais alto. Os atritos entre as bandas tomaram conta da imprensa inglesa.
Com todas as canções escritas por Noel, inacreditáveis vocais de Liam, uma capa emblemática — não são os Gallagher, e sim Brian Cannon e Sean Rowley no Soho, uma rua conhecida pelas suas lojas alternativas de disco em Londres —, e duas verdadeiras obras-primas em sequência (é preciso mesmo dizer quais?), era inaceitável que o álbum ficasse em 2º lugar. Então, é claro, o tempo veio para revelar o devido vencedor: o álbum The Great Escape foi esmagado por (What's the Story) Morning Glory? nas vendas daquele ano e também na história, que o consagrou como o mais perfeito retrato de um fim de século na visão de dois irmãos geniosos e geniais demais para não serem separados pelo mesmo defeito que os imortalizou.
Quando um disco é um clássico
O que faz um álbum transcender a barreira do tempo? A reunião de músicas de qualidade fenomenal é uma das razões. E em (What's the Story) Morning Glory? não faltam composições irretocáveis. Não foi por acaso que esse disco fenomenal catapultou a carreira internacional do Oasis. Fato que, por mais espetacular que sua estréia tenha sido, não foi garantido por Definitely Maybe.
Gravado rapidamente no Rockfield Studios, em maio de 1995, a banda registrava e finalizava uma música aproximadamente a cada 24 horas. Do término das sessões até a pós-produção, o grupo quase acabou por conta do gênio difícil dos irmãos Gallagher. Não foi daquela vez.
O produto final permaneceu por 10 semanas no topo das paradas da Inglaterra e se tornou um dos discos mais vendidos de todos os tempos. Das 10 músicas, 6 foram singles de sucesso, alguns atingindo o primeiro lugar. Se tornou na obra essencial do britpop enquanto movimento e estilo de época. É também o principal álbum na história do rock nos anos 1990. Mais que isso, se reconhece que (What’s the Story) Morning Glory? foi a peça fundamental de toda renovação cultural inglesa que repercutiu a partir da metade daquela período.
Sua influência na cultura pop vai muito além do que se pode mapear. Não é o tipo de fenômeno que pode ser criado. É um tipo de acontecimento que transcende explicações. Podemos apenas nos debruçar sobre o que existe de concreto para ficarmos maravilhados com aquilo.
É isso que faz um clássico. E essas são as peças que compõem (What’s the Story) Morning Glory?.
1 — Hello [3:22]
O disco começa com um breve trecho da canção Wonderwall (faixa 3) em volume baixo, até que Hello estoure com guitarras altíssimas. Uma boa abertura de trabalhos. A banda utiliza de maneira irônica partes de Hello! Hello! I'm Back Again, do roqueiro glam de qualidade duvidosa Gary Glitter.
2 — Roll with It [4:00]
Foi o 2º single sacado do álbum. Começou a ser escrito como uma imitação dos Beatles em faixas como She Loves You. Recebeu atenção da mídia quando a Food Records, selo do rival Blur, alterou o lançamento do single Country House para o mesmo dia do seu lançamento – 14 de agosto -, na tentativa (acertada) de criar conflito.
Para promover a música, a banda se apresentou no famoso programa musical Top of the Pops, que tinha um direcionamento bem teen na época. Na ocasião, tendo que encenar enquanto a música rodava em play back, os irmãos Gallagher inverteram os, com Liam fingindo tocar guitarra enquanto Noel brincava de vocalista (essa performance impagável pode ser conferida aqui).
A foto da capa do single foi tirada na praia de Weston Super Mare, tendo ao fundo o Grand Pier, que pegou fogo em 2008 – e tornou o single artigo de colecionador. Faz alusão aos Beatles, clicados ali vestindo trajes de banho em 1963. Lançado em CD, K7 e compactos de 7 e 12 polegadas, trazia as seguintes faixas como lado B: It's Better People, Rockin' Chair e Live Forever (Live at Glastonbury '95). A versão australiana tinha uma lista completamente diferente de músicas.
Confira abaixo o videoclipe oficial dirigido por Jon Klein.
httpv://www.youtube.com/watch?v=-XZklKaQhi8
3 — Wonderwall [4:19]
Lançado em 30 de outubro, alcançou o 2º lugar nas paradas da Inglaterra e entrou no top 10 da Billboard quebrando o tabu das bandas britânicas não entrarem no top 10 dos mais vendidos dos EUA. É reconhecida como a música mais famosa do Oasis e garantiu a Noel prestigio como compositor.
A foto da capa foi tirada em Primrose Hill e inspirada no surrealista René Magritte.
Inicialmente, a canção tinha o título de Whishing Stone. Segundo o produtor Owen Morris, Wonderwall foi gravada e finalizada em cerca de 6 ou 8 horas. Noel havia oferecido uma segunda opção de arranjo, mais complexo, que acabou sendo rejeitado. O guitarrista queria assumir os vocais. Como Liam fez questão de cantar nessa faixa, o compositor acabou ficando com Don't Look Back in Anger.
Existe várias histórias sobre a origem da composição. Inicialmente, Noel afirmava que havia sido composta para uma garota que conheceu em um show da banda. Em seguida, passou a dizer que era uma música para sua namorada, Meg Mathews. Quando se separou dela, deu uma nova versão: foi escrita “para um amigo imaginário de infância que o ajudava a superar a solidão”. Acredita-se que ele tenha tentado escrever wonderfull, mas, como sofre de dislexia, acabou usando a palavra wonderwall e decidiu adotá-la. Também, se comentou muito que seria uma referência ao disco Wonderwall Music (capa ao lado), trilha sonora composta por George Harrison para um filme em 1968 e que acabou sendo o primeiro álbum solo de um beatle.
Também lançado em CD, K7 e compactos de 7 e 12 polegadas, tinha os seguintes lados B: Round Are Way, The Swamp Song e The Masterplan. Nos EUA, trazia outras faixas.
O vídeo, vencedor do prêmio de melhor clip de 1996, foi gravado durante um curto período em que o baixista Paul "Guigsy" McGuigan foi substituído por Scott McLeod, devido a uma crise nervosa causada pelo stress. Confira abaixo:
httpv://www.youtube.com/watch?v=Ozp8rIdpDAU
4 — Don't Look Back in Anger [4:48]
Uma das mais perfeitas baladas de todos os tempos, é inspirada em John Lennon, desde frases como “start revolution from my bed” até a introdução de piano semelhante a Imagine. Sobre a personagem Sally, Noel declarou: “Realmente não conheço nenhuma Sally. É apenas uma palavra que se encaixa, você sabe, pode muito bem jogar o nome de uma menina lá.” Talvez porque, apesar de ser o gênio compositor da banda, não foi ele quem compôs o famoso trecho — e sim Liam. Também, teria trechos inspirados em All Young Dudes, de David Bowie.
A capa do single é uma homenagem a vez em que Ringo deixou os Beatles no meio das gravações do White Album e, quando retornou, sua bateria havia sido decorada por Harrison com flores brancas, vermelhas e azuis.
Chegou às lojas somente em fevereiro de 1996, em CD, K7 e compacto em vinilde 7 e 12 polegadas. Antigiu o topo das paradas! Continha no lado B as faixas Step Out, Underneath the Sky e um cover de Slade, Cum On Feel the Noize. A intenção inicial era ter Step Out no álbum, mas havia sido composta a partir de uma música de Stevie Wonder, que quis parte da renda. Assim, acabou descartada.
Confira o videoclipe dirigido por Nigel Dick abaixo:
httpv://www.youtube.com/watch?v=r8OipmKFDeM
5 — Hey Now! [5:42]
Talvez a faixa mais linear do disco, é um tanto engessada e conta com um arranjo de cordas. Já foram mapeadas referências sonoras sacadas de I Wanna Be Adored, dos Stone Roses.
6 — (Sem título / Instrumental) [0:45]
A primeira vinheta que aparece no disco. Sem título, funciona como o equivalente ao encerramento do lado A, dividindo o álbum ao meio. Na verdade, é um trecho sacado de The Swamp Song, faixa descartada que acabou surgindo no lado B de alguns singles e foi relançada na coletânea The Masterplan.
7 — Some Might Say [5:29]
O primeiro single, foi lançado bem antes do disco, em abril. Atingiu o 1º lugar nas paradas. Aparentemente inspirada em T-Rex e Small Faces, quer dizer “Alguns podem dizer”, e ainda conta com o baterista anterior, Tony McCarroll.
A foto da capa foi tirada na estação ferroviária de Derbyshire, com os pais do diretor de arte Brian Cannon em destaque, sendo que Liam pode ser visto na ponte, enquanto Noel aparece com um regador.
Lançado em CD, K7 e compacto de 7 e 12polegadas, conta com Talk Tonight, Acquiesce e Headshrinker no lado B. Como todas as faixas acabaram incluídas na coletânea The Masterplan, é apontado por muitos como o melhor single da banda. Na Austrália e no Japão, a lista de músicas era outra, sendo que nesse último país foi incluída a versão demo da composição e uma cover de Beatles: You've Got to Hide Your Love Away.
O clip planejado para Some Might Say não pode ser feito por culpa de Liam Gallagher. Assim, um vídeo foi produzido com cenas diversas sacadas de imagens de arquivos e algumas apresentações da banda.
httpv://www.youtube.com/watch?v=4fLR3FRaFsQ
8 — Cast No Shadow [4:52]
Essa composição comovente, com direito a arranjo de cordas, é apontada como uma das performances vocais mais inspiradas e emocionadas de Liam. A música fala de Richard Ashcroft, vocalista do The Verve, que apoiou muito o Oasis no início da carreira. Ashcroft estava viciado em heroína e parecia ter embarcado numa viagem sem volta.
9 — She's Electric [3:40]
Um rock animado e que poderia funcionar muito bem como single, sendo uma das composições mais curtas do disco. Termina com vocais sacados dos Beatles. Teria sido inspirada no tema de um programa infantil da década de 70, chamado You and Me.
10 — Morning Glory [5:04]
Inicialmente batizada de Blue, teria sido composta por Noel bêbado. Algumas partes foram inspiradas por num suposto passeio a pé do guitarrista, ouvindo walkman, logo após cheirar cocaína. Fato que, aliás, é citado na letra, que também faz referências a Tomorrow Never Knows, dos Beatles. Tem um riff chupadíssimo de The One I Love, do R.E.M..
O som de helicópteros no início e final da gravação fazem com que a faixa se ligue a D'You Know What I Mean?, primeira faixa de Be Here Now, o álbum seguinte do Oasis.
Além de ser uma gíria para “ereção após o sono” (o famoso acordar de pau duro), tornou-se comum na Inglaterra, quando alguém pergunta “What’s the story? (gíria para “como vai você?”), receber a resposta: “Morning Glory”.
O single foi lançado apenas na Austrália, em CD, e conta com os mesmos lados B de Roll With It.
O clip foi dirigido por Jake Scott. Confira abaixo:
httpv://www.youtube.com/watch?v=vtfpCEVxKUs
11 — (Sem título / Instrumental) [0:40]
A segunda vinheta instrumental do disco, com um trecho sacado dolado B The Swamp Song. Se a primeira vinheta encerra um suposto lado A, essa dá a entender que o disco está se encerrando. Mas a banda ainda tem um grande trunfo na manga.
12 — Champagne Supernova [7:28]
A banda teria guardado o melhor para o final? Champagne Supernova é realmente uma das músicas mais significativas do disco. Noel declarou mais de uma vez que o guitarrista Paul Bonehead chorou ao ouvir a canção pela primeira vez.
Existem várias versões para o significado do título. Uma delas afirma que Noel teria confundido o título do álbum Bossanova, dos Pixies. Também, Champagne Supernova seria uma gíria para o ato de se fumar maconha em um bong com champagne dentro. Entretanto, a versão (quase) oficial é a de que os irmãos Gallagher foram a um observatório na Noruega e enxergaram a galáxia Supernova, que teria cor de champagne
O solo de guitarra foi executado por Paul Weller, ex-líder do The Jam e espécie de padrinho do britpop.
A música foi lançada como single na França, Estados Unidos e Austrália, em CD, contendo uma versão editada (mais curta) e Slide Away no lado B australiano.
Confira abaixo o videoclipe dirigido por Nigel Dick:
httpv://www.youtube.com/watch?v=F8RuJ5WzhsI
Ao vivo
Existem dois registros oficiais ao vivo da era (What's the Story) Morning Glory?. O primeiro é Live by the Sea, gravado em Abril de 1995 no Southend Cliffs Pavilion na Inglaterra. Foi lançado em VHS em 31 de 1995, no mesmo mês em que o disco chegou nas lojas. Era claramente uma forma de promover o álbum.
Em outubro de 1996, foi a vez de ...There and Then. O VHS, com 18 faixas, trazia os melhores momentos de 3 shows da turnê do disco.
A banda estavano auge de sua popularidade nessa época, com as entradas dos espetáculos sendo esgotadas em poucos minutos. Para um show em Knebworth, a procura foi absurda: 2,5 milhões de ingressos. Seria o suficiente para encher o recinto 53 vezes, mas a banda realizou apenas 2 shows.
O polêmico Acústico MTV
A MTV não perdeu a oportunidade e convidou o Oasis no ápice de sua popularidade para gravar uma apresentação acústica, com a intensão de transformar o registro em disco e filme. Entretanto, num episódio polêmico e controverso, Liam não subiu ao palco, alegando uma suposta dor de garganta. Noel fez o show mesmo assim, cantando todas as músicas numa apresentação impecável. Porém, diversas vezes os cinegrafistas flagraram o cantor pelos cantos, nos bastidores, bebendo cerveja gelada. O fato é que ao não subir no palco, houve uma quebra de contrato que impediu a MTV de lançar o seu tão desejado acústico. O áudio dessa apresentação circulou numa série de títulos piratas, para a alegria dos fãs.
Um depoimento
Na tentativa de vislumbrar um momento histórico ímpar, procuramos uma testemunha do fenômeno (What's the story) Morning Glory?. Optamos por uma espécie em extinção, mas que de certa forma fez parte do acontecimento de uma maneira bem próxima do público. Entrevistamos Fabiano de Paula – o Bono –, que era vendedor de CDs quando o disco foi lançado. Trabalhava na mesma loja que o Beto Bruno, líder da Cachorro Grande, banda que abriu os shows brasileiros da última turnê do Oasis. Saca só o que o Bono nos contou:
“Na época eu trabalhava na CD Holmes, que ficava no Shopping da Praça em Passo Fundo, onde hoje é a TIM. O lançamento mundial foi no início de outubro, e me lembro que o CD chegou aqui logo depois, talvez na semana seguinte.
Eles tinham muita exposição na mídia, os clipes passavam o tempo todo na MTV, Champagne Supernova, Don't Look Back in Anger, sem falar no rádio, que divulgava muito, então a procura foi grande, o disco saiu bastante.
Pessoalmente, acabei comprando o (What's the story) Morning Glory? antes do primeiro disco, Definitely Maybe, e a partir daí virei um oasismaníaco, como sou até hoje — pena que acabou. Quando ouvi, percebi de cara que era um disco muito bem trabalhado, algo como o disco de britpop perfeito.
Acredito que nenhuma outra banda tenha atingido o mesmo nível de importância que o Oasis durante toda sua existência, principalmente por esse disco. Legal poder dizer que, 15 anos depois, continuo ouvindo o CD e tendo a mesma opinião.”
— Fabiano de Paula (Bono),
funcionário da Multisom do Bourbon Shopping, Passo Fundo.