Marina de Campos
Se John Lennon tivesse desertado da música ao deixar os Beatles, ainda assim estaria entre os maiores de seu tempo. Pelo contrário: resolveu fazer um pouco mais pela história dedicando toda a década seguinte ao lançamento de outras oito preciosidades, cada qual refletindo uma de suas facetas e mostrando com quantas personalidade se faz um legítimo gênio. Gravados entre o ano da separação da banda e a data de sua morte – de 1970 a 1980 -, os oito álbuns que representam a carreira solo do lendário músico acabam de ganhar reedição com som remasterizado, em uma caixa que conta ainda com um CD duplo de versões inéditas e singles não incluídos nos discos originais.
O pacote se completa com outra caixa composta por quatro discos que agrupam tematicamente as canções de Lennon – políticas, roqueiras, filosóficas, românticas – e um novo álbum ao estilo Greatest Hits. Supervisionadas por sua viúva Yoko Ono, as reedições chegaram ao público nesta semana, às vésperas de seu aniversário de 70 anos, neste sábado, 9 de outubro. Diferente do rigor que caracterizava os trabalhos dos Beatles, os discos do compositor variam muito no que diz respeito à qualidade de produção, inviabilizando o processo de remasterização de fazer milagres, mas possibilitando às canções um novo frescor.
John
Artista inconstante, John concentrou suas atividades nos primeiros anos da década de 1970, já que nos últimos cinco anos de vida dedicou-se à criação do filho Sean e lançou apenas um álbum – o Double Fantasy, de 1980, finalizado poucos meses antes de ser assassinado. O primeiro CD do projeto, John Lennon/Plastic Ono Band, é datado de 1970 e também o favorito da crítica, incluindo canções como Mother e God. Com este disco, o músico britânico enfrentou seus fantasmas e limpou sua alma dos rancores alimentados nos anos anteriores, em um exercício de valor artístico que continua surpreendendo mesmo 40 anos depois. Mas é com Imagine, disco de 1971 que carrega a célebre faixa homônima e mais marcante da carreira solo, que Lennon colocou sua própria trajetória no mesmo nível das produções com os Beatles. Carregando outra faixas memoráveis como Jealous Guy, o álbum teve impecável tratamento de Phil Spector, detalhe que ganhou ainda mais brilho com a remasterização.
Deixando a obra como um verdadeiro símbolo da utopia pacifista que marcou sua vida, ele passou à crítica social com Some Time in New York City, disco em que dividiu as composições e o estúdio com a mulher Yoko Ono. A discografia conta ainda com Mind Games, de 1973, Walls and Bridges, do ano seguinte, e Rock'n'Roll, álbum de 1975 composto apenas por covers de canções de rock do final dos anos 1950 das quais era fã quando adolescente – entre elas Peggy Sue, de Buddy Holly, e Sweet Little Sixteen, de Chuck Berry. Apesar de ter sido lançado postumamente, em 1984, Milk and Honey também faz parte do pacote.
Yoko
Para a viúva Yoko Ono, a mensagem de paz do ex-beatle é mais necessária agora do que nunca. “Seu espírito continua vivo e sua energia é extremamente necessária nos tempos incertos de hoje”, declarou a artista plástica. “Tenho a responsabilidade de levar adiante o legado de John, e devo trabalhar para que tudo seja publicado da maneira correta”, completou, justificando as reedições reunidas sob o título de Gimme Some Truth. Yoko disse ainda que seu marido era muito perfeccionista como compositor - ele tinha um piano em cada quarto, pois a inspiração podia chegar a qualquer momento - e, por isso, nunca estava totalmente satisfeito com o que fazia. "Ele escondia as primeiras gravações, dizia que não valiam a pena e logo gravava outras coisas por cima", revelou. Segundo ela, Lennon era um gênio, “uma pessoa dotada de sensibilidade especial para transformar situações dolorosas e injustas em belíssimas canções, como fez em Imagine”. Três décadas mais tarde, a reedição de seus álbuns representa uma oportunidade para ouvir a música que há por trás da lenda.