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Assim como Don Corleone, Capitão Nascimento não tem nada de mocinho, mas conquistou a adoração do público desde sua primeira aparição. Agora, em Tropa de Elite 2, ele volta engravatado, promovido a coronel e, segundo o autor do livro que deu origem

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Marina de Campos


Com suas frases célebres e o caráter de um herói apesar da atitude de vilão, Don Corleone está acima de qualquer julgamento. Ele não é o que se possa chamar de um exemplo a ser seguido, mas também não pode ser condenado por seguir à risca os seus próprios mandamentos de mafioso. Dedicado à família acima de tudo, fiel aos amigos e mais ainda aos inimigos, homem de palavra e consciente de seu papel de carta coringa dentro de um sistema falido e carente de peças guiadas por integridade e honradez, ele demonstra como um homem pode se misturar à podridão sem se render a ela.


É assim que age o talvez mais emblemático personagem da história do cinema brasileiro em sua segunda incursão pelo cinema. Comparado ao inesquecível personagem de Marlon Brando em O Poderoso Chefão pelo próprio diretor José Padilha, Capitão Nascimento carrega Tropa de Elite 2 nas costas com suas frases célebres e o caráter de um herói a despeito da cara de vilão. Passados 15 anos, ele não apenas trocou a farda pelo black tie, mas também ganhou mais poder e o irreversível peso de uma família pela qual zelar. Blefando num sistema chefiado por políticos corruptos e policiais bandidos, não se distancia da lógica dos Corleone: mantém seus amigos perto e os inimigos mais perto ainda, numa eterna corda-bamba moral entre o dificilmente certo e o inevitavelmente errado.


De James Bond a Guerra ao Terror


“É importante distinguir a diferença entre herói e ícone popular. E o Nascimento não é um herói”, explica Padilha antes que o condenem. “Por exemplo: Don Corleone é um personagem carismático, de apelo popular, embora seja um assassino mafioso. Em outras culturas há vários ícones violentos, com a moral torta. É um fenômeno esporádico no cinema.” Entendido isso, fica fácil enxergar as semelhanças e o grande acerto na criação do personagem de Wagner Moura. Sujeito a falhas, não se reduz a mocinho por explorar todos os lados do ser humano, mesmo correndo o risco de se tornar anti-herói.


Com novo foco nos gabinetes, a sequência explora a discussão em detrimento da ação, o que não quer dizer que esta não esteja lá. “James Bond não usa farda do exército inglês, mas dá tiro pra caramba”, compara o diretor, que repetiu a parceria com a equipe norte-americana do longa Falcão Negro em Perigo. “Filmamos muitas cenas de ação, a sequência de Bangu 1 talvez seja a melhor que já filmei na vida”, orgulha-se o cineasta, que transformou Nascimento em coronel e subsecretário de Segurança do Rio. Além disso, Padilha já recebeu propostas de adaptação para o cinema estrangeiro. A mais tentadora veio de Kathryn Bigelow, vencedora do Oscar por Guerra ao Terror. “Fico relutante, porque lá eles não tem as favelas daqui e tudo mais. Na época nem sabia quem era a Bigelow, se soubesse teria pensado, acho Guerra ao Terror um filmaço!”, confessa.



Um personagem maior


“Pra certas pessoas, a guerra é a cura, funciona como válvula de escape. No Rio foi sempre assim, parceiro. Depois que entrei na Secretaria de Segurança, o Bope passou a ter 16 equipes táticas: agora a gente opera de blindado, de helicóptero. Eu transformei o Bope numa máquina de guerra. Quebrei o tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Só que eu demorei muito pra perceber quem eram meus verdadeiros inimigos – e numa guerra isso pode ser fatal. A verdade é que a minha guerra contra o sistema tá só começando. E dessa vez é pessoal.”


Esse é o clima de Tropa de Elite 2, e uma sinopse do pensamento de seu icônico personagem em plena crise de meia-idade. Arrependido de algumas escolhas, questionando suas posturas ideológicas, o agora coronel Nascimento retorna mais maduro, mas ainda “cruelmente debochado e dono de métodos questionáveis no combate ao crime”. O diretor explica: “É o mesmo cara, não deturpamos sua lógica. Só que agora ele não está na polícia, mas no processo decisório, que é contaminado por interesses. Ele descobre que nem sempre as decisões são técnicas, muitas vezes elas são políticas”, esclarece, lembrando que, inicialmente, ele não seria o personagem central do primeiro longa. "A interpretação do Wagner nos surpreendeu tanto que, na hora da montagem, fizemos mágica", afirmou . Enquanto isso, o espaço para novos jargões – característica que consagrou o personagem e o primeiro filme -, continua intacto. “O Milhem e o Wagner são mestres nessa coisa de lançar bordão. Não amarrei essas expressões no roteiro, foram eles que as incluíram depois do laboratório com o Bope. E Tropa 2 certamente terá novos bordões que serão febre”, completa.


Com estreia nacional nesta sexta – também em Passo Fundo, nos dois cinemas locais -, Tropa 2 é ambientado 15 anos depois da primeira história e mostra Nascimento enfrentando inimigos como políticos e mílicias, além do confronto ideológico com um ativista dos direitos humanos. Ponto alto da nova fase, a relação com o filho adolescente  surge como figura ímpar para questionar a violência praticada pelo pai no combate ao crime - o que é considerado "heroísmo" pelos conservadores e abuso de autoridade para os ativistas – e simbolizando, talvez, o dilema vivido pelo próprio espectador.


O filme na visão do autor
“Estamos esperando uma reação, em certo sentido, pior, mais dura, pois somos ainda mais explícitos em relação a certas questões. Desta vez o foco são os poderosos de farda e terno e gravata, vamos atrás dos políticos corruptos, a polícia vendida. Temos também mais um autor, que é o Cláudio Ferraz, delegado titular da Delegacia de Repressão ao Crime Organizado, que se dedica ao enfrentamento das milícias, e, apesar de eu escrever, boa parte das histórias foram trazidas por ele, ficam muito claras as conexões entre grupos policiais e políticos. E por isso mesmo estamos preparados para essa provável polêmica, os colegas profissionais já estão antecipando a necessidade de se afastar da polícia, que tem sido aceita por todos como um preço a ser pago para que deixemos de suportar o que está acontecendo e fazermos algo. O filme vai gerar uma reação muito mais veemente, ainda mais forte, tenho certeza disso” Luiz Eduardo Soares, autor dos livros Elite da Tropa 1 e 2, em entrevista exclusiva ao Segundo durante sua passagem por Passo Fundo em agosto

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