O que faz um Nobel

Antes de sua passagem por Porto Alegre ?EUR" que você vai conferir em detalhes no Segundo da semana que vem -, conheça um pouco mais sobre a obra de Mario Vargas Llosa, autor peruano vencedor do Prêmio Nobel de Literatura 2010

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Marina de Campos


Não há segredo, não há receita. O que faz de um escritor Prêmio Nobel de Literatura? Nem ele, vencedor do importante título que neste ano o coloca no mesmo nível de intocáveis como José Saramago e Gabriel García Márquez, sabe dizer. Sabe escrever – é o que sabe. Exímio contador de histórias desde a juventude, lançou seu primeiro sucesso, A cidade e os cachorros, em 1963, e desde então não parou mais. Vieram romances políticos como Conversa na Catedral, A Guerra do Fim do Mundo e A festa do Bode, obras carregadas de traços autobiográficos como Tia Júlia e o escrevinhador e Travessuras da Menina Má, e ainda os que não se encaixam nessas duas categorias – ficções como Quem Matou Palomino Molero? e Elogio da Madrasta -, mas ajudaram a construir seu estilo e o tornar um dos principais ícones da literatura latino-americana. Hoje o maior escritor vivo do mundo pelo frescor do prêmio recém concedido, ele vem à capital gaúcha na próxima quinta, para conferência do ciclo Fronteiras do Pensamento 2010. Por isso, o Segundo aproveita para explorar um pouco de sua obra dividindo-a em três gêneros que sugerem algumas das características que fazem um Nobel. Descubra.


Honestidade – Os romances autobiográficos

Uma das melhores qualidades que um autor pode ter é honestidade. Aproxima o leitor de imediato pelo tom confessional e mostra que a literatura nada mais é do que um reflexo da realidade. Sincero, destemido e ousado ao contar seus maiores segredos, Vargas Llosa usou a própria em alguns dos seus maiores romances. Em edição única pela editora Alfaguara, Os chefes e Os filhotes reúne dois livros fundamentais de sua obra autobiográfica. Enquanto o primeiro se trata de uma série de contos, o segundo fala do difícil amadurecimento dos garotos na Lima dos anos 1950, tema que volva a abordar no clássico A cidade e os cachorros, livro que o tirou do anonimato e ainda hoje figura entre suas melhores obras. Em Tia Júlia e o escrevinhador, de 1977, inspira-se no controverso romance que viveu com sua própria tia, em meio aos conflitos de seu país com a vizinha Bolívia. Já em seu mais recente romance, Travessuras da Menina Má, de 2006,  relata uma contubada história de amor entre um tradutor e a misteriosa mulher do título, num caso que se estende ao longo de 40 anos – deixando escapar semelhanças e segredos que fazem duvidar do caráter apenas ficcional da excelente obra.

Opinião – Um pé na literatura, outro na política


Não foi somente por escrever bem que Llosa ganhou o prêmio Nobel. Para merecer tamanha distinção, é preciso estar conectado ao mundo de forma profunda, e não temer as próprias opiniões. E isso ele fez desde cedo, colocando em muitos de seus livros suas convicções políticas, dando a cara tapa e usando a literatura como instrumento de conscientização. Em Conversa na Categral, por exemplo, transforma uma conversa de bar em um passeio por três décadas de história do Peru. Em Pantaleão e as visitadoras, de 1972, constrói uma sátira impiedosa à burocracia militar do Terceiro Mundo, retratando um capitão do exército encarregado de montar um batalhão de prostitutas “visitadoras” para atender aos soldados isolados em plena Amazônia. Arriscando-se a atravessar fronteiras, em 1981 publicou a sua própria versão da Guerra de Canudos relatada por Euclides da Cunha em Os Sertões, no romance A Guerra do Fim do Mundo. Em 2000, passeou pelo mesmo gênero, reconstituindo minuciosamente o fim da sanguinária ditadura de Trujillo na República Dominicana em A festa do Bode. Criticado pelas opiniões fortes sobre política que expõe não apenas em seus livros, mas também em palestras, congressos e todo tipo de evento em que comparece, ganhou inimigos por todo canto – como os cubanos, que lhe ofereceram um simpático “antinobel da ética” em seu jornal Granma.

Imaginação – Inventando o próprio estilo


Se parasse por aqui, Vargas Llosa já seria um dos maiores da literatura – mas ainda há mais. Além dos romances autobiográficos e o engajamento político, ele possui imaginação de sobra para criar histórias das mais variadas, desde tramas eróticas cheias de detalhes e delicadezas até envolventes crimes sem solução. É o caso de Quem matou Palomino Molero?, novela curta e despretensiosa que acompanha um jovem soldado em busca de respostas em uma pequena aldeia peruana no início dos anos 1950. Em Elogio da madastra, de 1988, mostra um triângulo amoroso em família – história cheia de sedução e desejos proibidos que é retomada pelo autor em Os cadernos de Dom Rigoberto, publicado em 1997. Em um de seus bons momentos da última década, com O paraíso na outra esquina, de 2003, resgata a vida da socialista e precursora do feminismo Flora Tristán e o pintor pós-impressionista Paul Gauguin, que em certo momento viveram períodos amargos em Arequipa -  cidade natal de Vargas Llosa e motivo de seu fascínio por tais figuras.

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