Guerra e paz a Tolstói

Autor de um dos maiores clássicos da literatura russa, Liev Tolstói completa cem anos de morte soando ainda atual pela abordagem de temas referentes à natureza humana, e por isso mesmo atemporais, como medo, amor, morte e traição

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Segundo ON

    Um escritor que começa seu livro com o anticlímax máximo - “senhores, morreu Ivan Ilitch”, ou seja, anuncia de cara aquilo que poderia ser o desfecho final -, e prefere traçar o caminho mais difícil, o de retrocesso fora de ordem, partindo das consequências da morte, passando pela fase adulta, viajando pela juventude e demonstrando em pequenos episódios a mediocridade de sua vida, para chegar finalmente à agonia da morte e terminar seu trágico relato com um seco “respirou profundamente, parou no meio de um suspiro, esticou o corpo e morreu”, só pode ser mesmo um gênio digno do título de imortal da literatura.

    Célebre por seu Guerra e Paz, Liev Tolstói não é um dos ícones da literatura russa somente por ter dissecado as guerras napoleônicas a partir do ponto de vista de uma Rússia invadida em 300 páginas intensas e bem escritas, mas também por ter avançado pelas entranhas do comportamento humano em romances aparentemente simples como A morte de Ivan Ilitch. Neste, usa como pretexto o início e o fim de um burocrata insignificante para mergulhar naquilo que diz respeito ao destino de cada um de nós – o medo da morte e, principalmente, o medo de morrer sem ter feito diferença alguma.

    Em Anna Karenina, outro de seus famosos romances, abarca vários conflitos de uma só vez, o primeiro deles exposto claramente na abertura do livro: “todas as famílias felizes são iguais. As infelizes o são cada uma à sua maneira”. Ao longo da trama, desenvolve a história do caso extra-conjugal da personagem que dá título à obra, uma aristocrata da Rússia Czarista que, a despeito de parecer ter tudo – beleza, riqueza, popularidade e um filho amado -, sente-se vazia até o dia em que conhece um impetuoso conde. Registram-se como outras obras marcantes do autor russo a trilogia Infância, Adolescência e Juventude, o conto Padre Sérgio e o livro O diabo e outras histórias.

A morte de Leon Tolstói

    Morto em 20 de novembro de 1910, aos 82 anos, de pneumonia, durante uma fuga de sua casa na busca por uma vida mais simples, Leon Tolstói dedicou meio século de vida à literatura. Nascido em 1828, em Iasnaia Poliana, filho de uma importante família ligada aos Czares, ficou órfão ainda criança, e passou a juventude frequentando boas universidades, estudando direito e línguas orientais. Pouco antes de servir o exército e viajar pela Europa, tornou-se senhor de vastas terras devido à sua herança, o que o fez ser conhecido como Conde de Tolstói.

    Com uma personalidade dividida e uma vida íntima cheia de conflitos, com os anos foi se tornando um pacifista anarquista que recusava toda forma de governo e poder. Por isso, seus textos autobiográficos A Minha Confissão e Qual é Minha Fé acabaram apreendidos e proibidos na Rússia, tendo ainda assim ampla difusão clandestina. Perseguido e excomungado pela Igreja, seus últimos anos foram de engajamento social, tendo seus escritos filosóficos influenciado o aparecimento de comunidades e de uma corrente de anarquismo cristão, sobretudo na França, na Holanda e nos Estados Unidos. Exerceu também, juntamente com Kropotkin e Thoreau, forte influência sobre um dos mais importantes pacifistas modernos: Gandhi, com quem chegou a manter correspondência.

    Apesar de afirmar ter se convertido no último período de sua vida e de renegar seus trabalhos mais famosos, encontram-se nestes mesmos textos diversas referências sobre a busca do autor por uma vida simples e próxima à natureza. Segundo o escritor George Woodcock em A História das ideias e movimentos anarquistas, em todos os romances que Tolstói escreveu quando mais novo, há a clara ideia de que ele considerava a vida tanto mais verdadeira quanto mais próxima da natureza.

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