O sebo que a gente precisava

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A partir de agora Passo Fundo tem um acervo de mais de 35 mil itens entre livros, discos, cds, revistas gibis e dvds disponíveis para compra, venda e troca. Com uma fantástica história de por que vieram parar aqui – acredite ou não, foi graças a Teixeirinha – Sebastião e o sogro Nelson Iglesias García demonstram que um sebo é mais do que um negócio: é uma paixão por aquela simplicidade que agora existe apenas no passado

Marina de Campos

    Em questão de dias, uma dezena de pessoas me veio com o mesmo tema: “Ouviu falar do sebo novo que vai abrir?”. As questões que se seguiam também eram sempre as mesmas. Será que vai dar certo? Passo Fundo precisa mesmo de um grande sebo. Quais serão os tipos de livros? E os preços? Quem são os donos? Um pessoal do Paraná, dizem. Quando abre? Semana que vem. Onde vai ser? Ali bem no centro, perto do fim da Bento.

    Assim que saí do claro, espaçoso e arejado Sebo Akadêmico com material suficiente para esta matéria, me dei conta do quanto um lugar tão aparentemente ultrapassado – que, em sua definição mais simples, funciona comprando, vendendo e trocando maços de papéis usados – representa também a evolução de uma cidade.

    Apesar da contradição, é isso mesmo: combinada com a chegada de gigantes empresas, a irrefreável construção de prédios e mais prédios, a instalação de modernos semáforos e o início da utilização de contêineres para coleta seletiva de lixo, além de uma série de outros fatores, a abertura de um sebo digno dos grandes centros alavanca a moral de Passo Fundo numa direção totalmente contrária às outras mudanças citadas, mas ainda assim valiosa para uma cidade que quer vir a ser grande. Realmente grande.

De presente, aquilo que nos faltava

    Capital Nacional da Literatura já somos. A maior manifestação literária do país acontece aqui. Nossa Feira do Livro cresce a cada ano. Somos a cidade com o maior número de livrarias do interior do estado. Apesar disso, nossa biblioteca pública é vítima de total descaso e abandono, e para aliviar essa dor só mesmo algo assim como um sebo. Não que seja o primeiro, há anos a Livraria Cultural tem a sua seção de saldos que dão conta do recado, e há também o Sebo Café, que vive visivelmente da paixão de seus donos, pioneiros a arriscarem-se em um negócio como esse.
    Enfim, percebi que aquele lugar era um sinal dos novos tempos e que Passo Fundo tinha tudo pra dar certo. E, no meio da conversa com o genro do sr. Iglesas García, descobri que nunca é tarde para o nosso grande símbolo e divulgador ao redor do mundo, o Gaúcho de Passo Fundo Teixeirinha, nos dar outro presente além das belas canções que escreveu. Acreditem ou não, foi ele quem nos mandou esse sebo de presente.

Histórias extraordinárias

    “Por que vocês resolveram abrir um sebo aqui em Passo Fundo?”, perguntei. Abrindo o sorriso de quem sabe que vai contar uma boa história, Sebastião começou: “Você não vai acreditar...”. Tinha razão, era inacreditável, o tipo de detalhe que faz brilhar o olho de um jornalista e ganha espaço até mesmo em sua manchete. “Estamos aqui graças a uma música do Teixeirinha”.

    Pois então, a história era a seguinte: enquanto pensavam em um lugar para abrir uma nova loja no sul, continuavam a trabalhar normalmente nos outros dois sebos da família, em Guarapuava e Ponta Grossa, no Paraná. Um dia chegou um homem para trocar um disco do Teixeirinha e, enquanto ouviam o álbum do início ao fim à procura de algum defeito, surgiu a curiosidade de conhecer a cidade que o famoso compositor tanto elogiava. “Pensamos: 'por que não?'. Estudamos a possibilidade, pesquisamos mais na internet, e acabamos aqui”, conta rindo Sebastião Bortolotti, responsável pelo novo sebo.

    Apesar da loja estar aos cuidados dele e da esposa Alessandra, o sogro Nelson Iglesias García veio acompanhar de perto os primeiros dias – o sebo abriu na última segunda-feira, 22 – e oferecer a experiência de quem vive disso há muito tempo. “Essa coisa de sebo começou com um tio de Londrina, que tinha uma banquinha e ensinou o filho a vender folhetins. Hoje ele é dono do maior acervo de livros usados do Paraná”, conta. “O gosto se espalhou pela família inteira. Vários parentes têm sebos em São Paulo, Santa Catarina, Minas, ao todo são mais de 30 lojas”, acrescenta, mostrando-se orgulhoso dessa verdadeira “paixão em família”.

Cada um na sua

    Enquanto Sebastião se confessava surpreso com a rapidez com que a notícia se espalhou e chegou até o jornal, seu Nelson ia apenas me mostrando as revistas mais raras que encontrava, sobre moda, esporte, agricultura, corte e costura e o que mais se possa imaginar. “O melhor mesmo é que a gente aprende muito com tudo isso”, explica o humilde senhor de óculos de grau e a camisa vermelha do uniforme contrastando com o branco absoluto das paredes.

    Com um impressionante acervo composto por mais de 35 mil livros, discos, revistas, gibis, cds e dvds – devidamente organizados por gênero e ordem alfabética -, o Sebo Akadêmico também tem funcionários prontos a auxiliar os clientes no que for preciso. “Eu entendo mais dos livros e dos discos. Ele sabe tudo das revistas e de música sertaneja”, me explica Sebastião, numa tímida tentativa de pegar no pé do sogro. “Apesar disso, tem sempre alguém procurando algo esquisito, que a gente nunca ouviu falar”, brinca ele.

“Eu te ajudo, você me ajuda”

    Durante a meia hora em que fiquei ali, passeando entre estantes, vasculhando gibis e conversando despreocupadamente com os dois, um ininterrupto entra-e-sai pela porta do sebo me provou que Passo Fundo ansiava mesmo por isso. Um lugar onde o tempo não passou, onde uma página amarelada é o grande charme, onde as coisas custam exatamente aquilo que valem e, às vezes, você não precisa nem tirar um real do bolso para se alegrar.
    Depois de explicar que o que faz um sebo crescer mesmo é a prática da troca, onde o cliente leva, por exemplo, dois cds em troca daquele que deseja, e o acervo vai ficando mais e mais completo, Nelson percebeu meu empolgado interesse em uma revista datada de 1977. Quando fui em direção ao caixa, me segurou achando graça. “Não, não. Acho que o que fizemos aqui foi exatamente uma troca. Essa é sua, de presente”, decretou.
    “Eu te ajudo, você me ajuda, e é assim que a vida anda”, filosofou ainda, me deixando a nítida impressão de que um sebo nunca é somente um negócio, mas sim uma utopia, uma paixão quase ingênua pelo passado e por uma simplicidade que não existe mais, exceto naqueles tantos livros e discos acomodados por ali.

Frases

- São mais de 35 mil itens no acervo, dividido por gênero e organizado em ordem alfabética. Enquanto Sebastião se garante nos livros e discos, o sogro Nelson sabe tudo das revistas e de música sertaneja

- Um dia chegou um homem para trocar um disco do Teixeirinha e, enquanto ouviam à procura de algum defeito, perceberam o nome de Passo Fundo. Decidiram apostar

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