“Pode não ser o ideal, mas estamos trabalhando com o real”. É com esse pensamento que a Universidade Popular – órgão da Secretaria de Educação responsável pela Biblioteca Pública Arno Viuniski – está trabalhando para promover mudanças significativas no espaço que deveria ser símbolo máximo da Capital Nacional da Literatura. Entre as ações está a pintura do muro pelo curso de Artes da UPF em parceria com alunos da oficina de grafite da Escola do Hoje
Marina de Campos
Em maio deste ano, o Segundo foi fundo na ferida aberta que é a Biblioteca Pública de Passo Fundo, realizando uma série de reportagens especiais sobre o passado, o presente e o futuro do espaço que recém completava 70 anos. Em função de uma das matérias, o site de O Nacional realizou enquete questionando se a população tinha conhecimento de onde ficava a biblioteca. Em resposta, mais de 50% dos participantes sequer sabia onde estava localizado o prédio hexagonal projetado por Arno Viuniski em meados de 1976. Agora, próximo do fim do ano de 2010, surgem os primeiros sinais de reação em relação à triste situação em que se encontra hospedado o rico acervo da cidade. E um deles diz respeito justamente à visibilidade da biblioteca, que merece muito mais do que uma precária fachada de tijolo e cimento – merece também cor e reconhecimento.
A palavra é integração
A partir da iniciativa da Universidade Popular – órgão da Secretaria Municipal de Educação responsável pela Biblioteca Pública Arno Viuniski – de transformar a imagem do local perante a população, Mariane Loch Sbeghen tomou a frente das atividades e recrutou um pequeno mas diversificado exército para lhe auxiliar. Coordenadora do curso de Artes Visuais da Universidade de Passo Fundo, a professora decidiu unir alguns dos universitários voluntários a um grupo de jovens alunos da oficina de grafite e introdução ao hip hop da Escola Municipal Fundação Educacional do Menor – a Escola do Hoje. “Em todos os trabalhos que faço desse gênero, sempre busco unir realidades diferentes numa mesma atividade, promovendo interação e, principalmente, integração”, explica Mariane, ressaltando que a ação reúne, de forma efetiva, o que acontece dentro da universidade e a comunidade em geral. “Se torna uma extensão da sala de aula, uma experiência indiscutivelmente enriquecedora para ambos os lados”, acrescenta.
Nesse sentido, ela comenta o interessante encontro artístico que se deu com a junção desses dois grupos numa só obra. “Nesse processo de trabalho, houve o choque entre a forma de encarar a arte pelo meio acadêmico e a flexibilidade da arte das ruas, do desenho livre, do grafite. É fascinante perceber como esses pensamentos dialogam e encontram formas de se complementar”, conta a professora, que idealizou para o muro frontal da biblioteca uma paisagem de árvores com livros no lugar dos frutos, simbolizando a formação de novos leitores. “Essa paisagem contará com livros e periódicos. A literatura de cordel e a leitura através da web também serão representadas. Queremos estimular a formação de um novo público leitor passando uma mensagem alegre e condizente com o espaço”, completa, afirmando que o principal ali não é o caráter estético, como simples enfeite, mas justamente essa importante mensagem.
Os (jovens) artistas
“Vai ser legal saber que, depois de pronto, as pessoas vão passar e ter certeza de que é aqui que fica a biblioteca, e que a gente ajudou para isso acontecer”. Eles têm só 12, 13 e 14 anos, mas dominam o pincel como grandes artistas e possuem os trejeitos de um perfeito grafiteiro profissional. Animados com a obra, quatro alunos da Escola do Hoje passaram a tarde desta sexta-feira trabalhando no local. Coordenados pelo professor Rafael Ferrão, oficineiro de grafite e iniciação ao hip hop, os garotos são destaque nas aulas. “A oficina faz parte do projeto Mais Educação, da Prefeitura Municipal, e conta com mais de 40 crianças. Os que estão aqui são os que melhor se saíram nas aulas”, conta o professor, para orgulho geral dos pequenos artistas. “A Escola do Hoje é a única instituição que escolheu , dentre as muitas opções, essa oficina de grafite. Apesar do nome, nela ensinamos mais do que isso, trabalhamos a caligrafia, a escrita, o desenho, mas também o comportamento dos jovens, as boas maneiras, a educação em si”, explica Rafael.
Ainda no início, criando o plano de fundo da imensa obra que promete dar cor e novo ânimo à biblioteca, os alunos da oficina e os acadêmicos de Artes Visuais da UPF já fizeram a grama, parte do céu e a palavra biblioteca. “Esse é só o começo, ainda vamos passar algumas tardes trabalhando aqui. As letras, por exemplo, ainda têm apenas a sua base. Ao longo do trabalho vamos dar profundidade às formas e conseguir o aspecto do grafite”, observa o oficineiro, afirmando que o trabalho ajuda ainda no sentido de modificar o pensamento da população em relação ao gênero artístico, comumente confundido com mera pichação. “Nesse caso, o grafite vai certamente chamar a atenção de quem passa por aqui e nem sabe que aqui fica a biblioteca”, acrescenta. Os alunos Mateus Valério, Samuel Homero, Bruno Luis Salvatori, Josué Dias e Gabriel Augusto Oliveira assinam embaixo. “A gente também nem sabia que era aqui. Agora vai ficar outra coisa”, comentam, resumindo a essência da iniciativa.
Entre o real e o ideal
Num mundo perfeito, a Biblioteca Pública da Capital Nacional da Literatura seria um incrível palacete branco cheio de grandes colunas, vitrais coloridos e longas escadarias indicando o salvador caminho do conhecimento. No mundo real, a administração responsável pela Biblioteca Pública da Capital Nacional da Literatura não pode esperar por milagres, e por isso investe aquilo que pode em reformas na atual sede do acervo. Além da pintura do muro da frente, a Universidade Popular já realizou a reforma da parte lógica e elétrica do espaço, a criação de uma sala de informática e o serviço de capacitação dos funcionários junto ao Sistema Estadual de Bibliotecas, objetivando um melhor atendimento da comunidade que usufrui do espaço.
“Não adianta ficar imaginando como poderia ser, ou esperando que haja um novo espaço de uma hora para outra. Precisamos trabalhar com aquilo que é real, e é isso o que estamos fazendo agora”, afirma categoricamente Maria Augusta D'Arienzo, coordenadora da UP. Além disso, ela afirma que há um projeto de revitalização da estrutura física da biblioteca, em que consta a troca do telhado e do assoalho, além da implementação das questões de acessibilidade. Para aqueles que costumam criticar aquilo que é feito pelo viés do que ainda não foi feito, é de se lembrar: mais do que “melhor do que nada”, a iniciativa pode não ser a solução definitiva para a nossa Biblioteca Pública, mas é a prova de um novo olhar sobre o problema.