por Daniel Dalpizzolo
Em O Discurso do Rei, retornamos às primeiras décadas do século XX, ao boom da era do rádio. Como toda grande novidade, os microfones e estúdios de transmissão instalados geraram estranheza e dificuldade para pessoas que, naquele tempo, não faziam a menor ideia da dimensão que isto tomaria nos dias de hoje, ou de conceitos contemporâneos como comunicação de massa e globalização.
Mas foi assim que a grande revolução tecnológica da comunicação humana teve início, e é este desafio que o rei gago interpretado por Colin Firth, premiado com o Oscar pelo papel, precisa enfrentar: o “falar em público” não significava mais falar a uma plateia de mil, duas mil pessoas; era uma nação inteira que aguardava seu discurso.
A ironia é interessante: colocar o grande símbolo de poder da Inglaterra, um país que ainda vive em monarquia e respeita muito este sistema, numa situação constrangedora como gaguejar em público. Os próprios recursos estéticos e a encenação comandada pelo diretor Tom Hooper, também vencedor do Oscar, distanciam o filme do melodrama barato e se sobrepõem em alguns momentos à sua história banal e edificante. O uso de lentes grande-angulares e enquadramentos desajustados, quase expressionistas, deixam o filme um tom acima das produções de época como Shakespeare Apaixonado e O Paciente Inglês, que venceram o Oscar em seus respectivos anos e pouco depois caíram no esquecimento.
Mesmo assim, é exatamente neste grupo que deverá ser jogado O Discurso do Rei muito em breve. Por mais que Hooper brinque com a estética, faz um filme inofensivo, redondinho, sem arestas, sem capacidade de despertar amor ou ódio. Com um receio gigantesco de “gaguejar”, de errar o pulo, Hooper acaba também não ousando, e conduz a narrativa de O Discurso do Rei de um jeito morno, transformando esta curiosa situação em um filme tradicional de superação que, com a vitória no Oscar sobre filmes melhores, como A Rede Social, começa a conquistar – exageradamente - a antipatia de muita gente.