Marina de Campos
Quem lê sabe que, quando não se pode passar a vida viajando, um dos melhores jeitos de conhecer o mundo é através dos livros. Alguns autores fizeram de suas obras verdadeiros exercícios de descrição, colocando em pequenas porções de papel a mais pura essência de seus países de origem. É o que tem feito o autor japonês Haruki Murakami desde os anos 1980, quando começou a se aventurar entre as histórias de vida ambientadas na agitação de Tóquio e a transportá-las para os seus romances com a energia e dualidade que o país emana ao resto do mundo. Rigorosa em suas tradições, visionária nas invenções tecnológicas e jamais desvendada por completo, a pátria nipônica é retratada com maestria pela narrativa ágil e sensível de seu escritor número um.
Assunto do momento em todo e qualquer noticiário do planeta, o Japão pode ser conhecido de uma outra maneira através de livros como Kafka à beira-mar, Após o anoitecer e Norwegian Wood, este último responsável por lançar Murakami ao estrelato. Levando no título o nome da canção dos Beatles, a obra volta aos anos 1960 para contar uma história de amor dividida entre os gestos comedidos de uma garota e a vitalidade explosiva de outra – algo como uma metáfora à dupla personalidade do país. Apesar de todas as diferenças, o livro se destaca por mostrar a incrível semelhança no comportamento da juventude, onde quer que ela esteja.
Murakami explica. “Acredito que as boas histórias podem encontrar leitores em qualquer país e em qualquer língua. Começo a escrever com a incerteza e a curiosidade de não saber o que ocorrerá às minhas personagens e espero que meus leitores experimentem essa mesma sensação”. Traduzido para mais de 40 idiomas (entre eles o português), ele é presença constante na lista de candidatos ao Nobel de Literatura, e tem cumprido bem o papel de divulgar um Japão mais palpável ao ocidente através da escrita. Apesar de parecer contrastar tanto com o cinza que o país vive nos últimos dias, a profusão de cores dos livros de Murakami realça a força e determinação características desse povo que precisa de esperança e vibrações positivas agora mais do que nunca. Por vezes definido como um escritor surreal, ele diz que raramente sonha. “Talvez eu tenha sonhos complexos, porém não lembro de nada; quando acordo de manhã, tudo se foi. Em compensação, sonho muito acordado. Em outras palavras, isso é escrever romances”, conclui.
1Q84: Distopia à la George Orwell
Sem dúvida um dos maiores escritores vivos da atualidade, Murakami acredita ter se superado em seu último romance. Lançado no oriente em 2009, após um hiato de cinco anos, o livro virou best-seller instantâneo no Japão, que parecia ansioso pela nova história de seu principal ícone literário. Intitulada 1Q84, a obra de mais de mil páginas se passa justamente na Tóquio do ano de “1Q84”, expressão claramente inspirada no clássico 1984, de George Orwell, já que a palavra em japonês para 9 é pronunciada dea mesma forma que a letra inglesa Q.
Apesar da referência logo no título, Murakami afirma que fez o caminho inverso ao de Orwell. “1984 era um romance sobre o futuro próximo. Eu quis escrever alguma coisa oposta a isso, um romance sobre o passado recente que mostrasse como as coisas poderiam ter sido”. Extremamente elogiado nos países em que já foi publicado, o romance se assemelha à fonte de inspiração a partir do momento em que provoca questionamentos sobre a realidade atual. “Isso é algo que poucas pessoas fizeram. Eu tinha essa sensação de que queria recriar o passado, em vez de reproduzi-lo. Sempre me questiono sobre se o mundo em que estou é o real. Em algum lugar em mim, acho que há um mundo que pode ser diferente deste”, explica o autor.
Afirmando ser sua obra mais ambiciosa, Murakami espera que 1Q84 venha a ser importante na sua vida e também na de seus leitores. Recém-publicado na Espanha pela editora Tusquets, o romance vem sendo cada vez mais comentado e deve causar alvoroço também quando chegar à América Latina, para o que ainda não há previsão.
Murakami no Brasil
Com brilhates capas assinadas pelo designer Christiano Menezes, os livros de Haruki Murakami são publicados no Brasil pela editora Alfaguara. Já saíram por aqui os títulos Kafka à beira-mar, Norwegian Wood, Minha querida Sputnik, Após o anoitecer e o recente Do que eu falo quando eu falo de corrida. Com preços entre R$ 29 e 69,90, os livros valem a pena pela narrativa fluída e a riqueza cultural das histórias. Mais em objetiva.com.br/alfaguara
Depois do tremor
Sem tradução no Brasil, o livro After The Quake foi escrito após o terremoto de Kobe, em 1995, e conta seis histórias relacionadas à tragédia de forma leve, porém marcante. Abaixo, a emblemática frase do autor sobre o terremoto
“Temos por certo que a terra debaixo de nossos pés é parada. De repente, um dia, vemos que não é verdade. As pedras, que devem ser tão sólidas, dão uma volta súbita e ficam tão moles quanto líquido”