Sem volta

Com a repercussão do tema após o Massacre no Realengo, no Rio de Janeiro, casos retratados no cinema servem como instrumento de reflexão e busca por respostas

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Marina de Campos

    Quando nos inspiramos em algo ou alguém com certa obsessão, é fácil esquecer o discernimento entre bom ou ruim e acabar por imitar até aquilo que houver de pior. Pode ser essa a explicação para o Massacre do Realengo - mas também pode não ser. Após um jovem de 23 anos invadir uma escola do Rio de Janeiro e matar 11 crianças, no mesmo estilo dos ataques já frequentes nos Estados Unidos, o Brasil passou a se questionar e buscar seus responsáveis. Nessa análise elegem-se vários culpados em potencial: o lado extremista da religião que se mostra em passagens da carta deixada pelo assassino, a crescente possibilidade de bullying durante sua infância, fato que teria motivado o ataque à escola em que estudou, e também os distúrbios mentais que poderia ter herdado da mãe biológica o rapaz a essa altura já tachado de psicopata. Não importa muito agora, assim como não importam os números exatos de uma tragédia como essa. A dor de uma só criança assassinada já não bastaria? E quantas não são diariamente, em outras circunstâncias talvez mais simples de explicar, mas não menos chocantes? O emaranhado de perguntas deve continuar sem respostas. Enquanto a maior potência do mundo ainda carrega o estigma sem saber como resolvê-lo, o Brasil ganha mais um problema em sua lista de tristes fatalidades.
     Nos filmes americanos do gênero highschool, o tal bullying sempre apareceu como comportamento normal entre os alunos cruéis e ambiciosos e os “losers” sem voz. Assim como todo resto, essa cultura chegou até aqui. Como não nos demos conta de que a pior de todas as consequências também chegaria? Talvez não haja qualquer ligação, mas é uma possibilidade que salta aos olhos, sem falar na chance de a inspiração cortar caminho e estar ligada aos próprios massacres acontecidos ao longo das últimas décadas, amplamente noticiados ao redor do mundo e sempre provisoriamente adormecidos por falta de explicação.
    Voltam à memória os filmes americanos quando paramos para imaginar a cena do jovem entrando em uma sala de aula armado com dois revólveres e colocando meninas lado a lado para depois atirar contra elas gritando: “vocês vão morrer hoje!”. Digna dos filmes mais perturbadores, a sequência ecoa na cabeça de milhões de brasileiros que não devem esquecer dessa tragédia tão cedo. Em meio a tantas suposições, o cinema surge também como um instrumento de reflexão, já que permeia o assunto e também o retrata na tela no mínimos detalhes, como acontece em Elefante, de Gus Van Sant, baseado no massacre de Columbine em 1999. Se o momento é de refletir, questionar e buscar por respostas que ajudem a evitar futuros desastres, algumas doses de duas horas em frente à televisão podem ajudar com diferentes visões disfarçadas em produções de qualidade e sensibilidade, explorando não o circo ao redor dos eventos, mas sim a dor e a incoerência de cada um.

Tiros em Columbine, 2002
Oscar de melhor documentário em 2003, o filme investiga a fascinação dos americanos por armas de fogo tendo como mote o famoso massacre de Columbine, no Colorado, quando dois adolescentes pegaram as armas dos pais e mataram 14 estudantes para depois se suicidar. Com o estilo ácido e inquisidor característico do diretor Michael Moore, Tiros em Columbine também conquistou o grande prêmio do 55º aniversário do Festival de Cannes.

Sem medo de morrer, 2007
Protagonizado por Uma Thurman e Evan Rachel Wood, o longa cria uma tragédia ficcional para explorar os traumas carregados por aqueles que sobrevivem. Mais sensível na hora de abordar o drama, o filme mostra a adolescência e maturidade de uma mulher que presenciou um massacre em sua escola e precisa aprender a lidar com a amarga lembrança que a consome à medida que o aniversário do acontecimento se aproxima

Polytechnique, 2009
Canadense, o filme retrata dois
estudantes da Escola Politécnica de Montreal, cenário de um massacre brutal em dezembro de 1989. Um jovem entra na escola com um rifle e o objetivo de assassinar todas as mulheres que cruzarem seu caminho, motivado pelo suposto estrago que as feministas teriam feito à sua vida, desencadeando mudanças irreversíveis na vida dos personagens.de uma dúzia de vítimas e se suicida em seguida.

Elefante, 2003
Mais controverso da lista, ven-
ceu o Festival de Cannes mas não
convenceu a totalidade do público. Difícil de digerir por suas inúmeras ousadias (as cenas arrastadas dão a impressão de ser em tempo real, e grande parte da filmagem foca os atores de costas), Elefante mostra a tragédia de Columbine em todos os seus detalhes, acompanhando as vítimas e os próprios assassinos em seus minutos finais. Forte e interessante.

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