por Marina de Campos
e Rodrigo de Andrade
Um close da agulha riscando raivosamente o disco de vinil do 13th Floor Elevators, enquanto faz estourar nos ouvidos de alguém com o coração recém-partidos You’re Gonna Miss Me, primeira faixa do lado A do LP. Pode não ser o jeito mais aconselhável de se curar a dor de um abandono, mas é certamente a maneira mais divertida de despertar todos aqueles sentimentos terríveis e externá-los sem um acesso de violência.
Pelo menos é o que indica a genial abertura de Alta Fidelidade (capa ao lado), longa baseado no livro do inglês Nick Hornby que mostra John Cusack como o proprietário de uma típica loja de discos norte-americana logo após o fim de mais um relacionamento desastroso. Trunfo do filme, o ambiente musical permite referências a discos clássicos, raridades, álbuns rejeitados e tudo aquilo que ronda uma verdadeira “record store”.
Mais de uma década após o lançamento do filme, a realidade é outra: lojas de discos estão em extinção. Como qualquer espécie que se preze, esta também tem seus defensores ferrenhos, que já vêm a alguns anos dedicando um dia à tradição do disco. É o Record Store Day, que este ano acontece ao redor do mundo neste sábado, 16 de abril, mobilizando artistas, lojas e fãs em torno do evento.
O que é o Record Store Day?
O Record Store Day é conhecido como o natal dos colecionadores de disco. Realizado desde 2008 no terceiro sábado de abril, é um dia em que centenas de lojas independentes em todo o mundo fazem uma grande promoção conjunta. A intenção do evento é manter viva a cultura existente em torno desses estabelecimentos, que viram sua popularidade cair com a livre circulação da música através da internet.
Vários artistas passaram a promover a data, realizando shows gratuitos nas lojas e, principalmente, lançando discos exclusivos para essa data. Muitos títulos são prensados em edições limitadíssimas — a maioria em vinil — para serem vendidos exclusivamente nas lojas que participam do Record Store Day. Esses objetos são extremamente cobiçados e concorridos pelos colecionadores. Costumam se esgotar no próprio dia do lançamento e passam a ser muito valorizados no mercado internacional de discos.
Em extinção!
No Brasil e em todo mundo, as lojas de disco estão sumindo. Tanto as grandes redes internacionais — como a Virgin Megastore — quanto estabelecimentos independentes, mesmo que consagrados — como a Modern Sound, do Rio de Janeiro —, tem fechado as portas. O principal motivo é a queda das vendas, ocasionada pelo fácil compartilhamento da música por meios digitais.
As lojas que parecem estar resistindo são aquelas de porte médio, segmentadas, que não focam no grande público, mas sim num consumidor fiel: o colecionador de discos. Como exemplo, se pode citar a Baratos Afins — localizada na Galeria do Rock, em São Paulo —, a Boca Disco, Stoned e a Toca do Disco, de Porto Alegre.
Fãs, colecionadores e a tal “volta do vinil”
O fato das lojas estarem desaparecendo não significa que o comércio da música em seu formato físico mais tradicional — o CD e LP — esteja deixando de existir. Ele se mantém principalmente pelos sebos de discos usados e de duas outras formas: pela internet e diretamente com o artista. A facilidade que a tecnologia trouxe para se produzir música faz com que cada vez mais gente grave, lance discos e gerencie sua carreira por meios próprios. Muitas bandas de pequeno e médio porte esgotam tiragens completas de seus álbuns por meios totalmente independentes.
Como o público consumidor mais fiel é o colecionador e o fã, isso permite aos artistas e bandas de hoje produzirem um material que atenda uma demanda que preza mais pela qualidade do que pelo menor preço. Assim, buscando justamente atender audiófilos e puristas do som, cada vez mais o vinil tem ganho espaço. Afinal, esse formato é a mídia com melhor qualidade sonora existente, sendo muito superior ao CD e os arquivos digitais de MP3.
Estatísticas mostram que, nos últimos anos, enquanto a venda de CDs tem caído drasticamente, o mercado dos discos de vinil apenas cresce. E isso acontece apesar dos preços serem mais elevados.
Se fala muito em uma “volta do vinil”. Na verdade, é uma mídia que nunca desapareceu. É possível afirmar que praticamente todos os discos importantes da história da música tiveram prensagens em vinil. Inclusive os mais recentes, dos últimos 20 anos.
Mesmo no Brasil, enquanto a Polysom — autointitulada “a última fábrica de de discos de vinil do país — estava fechada, gravadoras como a Sony relançaram álbuns nesse formato.
A loja mais antiga do mundo…
Expert em tudo que dizia respeito a fonógrafos, cilindros fonográficos e discos de goma laca, o sr. Henry Spiller decidiu abrir aquela que veio a ser a primeira loja de discos do mundo. Fundada em 1894, na cidade de Cardiff, País de Gales, a loja Spiller Records existe até hoje, depois de ter mudado de lugar (apenas uma quadra adiante) nos anos 40, quando os negócios iam de vento em popa. Dizem que lá se pode encontrar o que não se achou em qualquer outro lugar do mundo. Ouviram, colecionadores?
…e a loja ambulante do senhor Jack White!
Reconhecido internacionalmente pelo seu trabalho nas bandas White Stripes, Raconteurs e Dead Weather, Jack White é também um empresário do ramo do discos. Ele fundou a Third Man Records, uma espécie de selo, loja de discos, casa de shows, gravadora. É através dessa empresa que ele lança uma série de títulos especiais, muitos em edições limitadas, em modelos exclusivos. São LPs e compactos em várias cores, alguns brilham no escuro, outros são perfumados, outros são desmontáveis e vem com um outro disco raro dentro, trazem músicas escondidas embaixo do selo do meio do álbum, alguns LPs possuem 13 polegadas, sendo maiores do que a média…
A última novidade de Jack White é a The Rolling Record Store da Third Man Records. A partir de uma pesquisa que afirma que 97% dos jovens norte-americanos com idade para cursar o ensino médio nunca entraram em uma loja de discos independentes, foi idealizado um caminhão-loja, que percorre várias cidades vendendo LPs e compactos lançados pela Third Man Records.
Uma record store na gênese das redes sociais (?!)
Perdão aos que assistiram A Rede Social e pensaram que já sabiam tudo, mas há uma lenda que provavelmente você não saiba: a origem das redes sociais pode ter surgido numa loja de discos na Califórnia, em 1973. Segundo o cientista Lee Felsenstein, ele e outros colegas colocaram um computador no andar de cima da loja, e o batizaram de mural virtual. Convidando as pessoas que passavam a entrar e digitar uma mensagem, a iniciativa acabou se tornando um protótipo de “social network”, já que em pouco tempo a máquina estava cheia de versos de poemas, propagandas de músicos e discussões sobre a melhor padaria das redondezas. O projeto, chamado Memória da Comunidade, sobreviveu por mais de uma década, instalando outros computadores na região de São Francisco. Mas só foi nos anos 80 que um número considerável de pessoas aderiu à vida online.
O disco na cultura pop
Assim como o filme citado na introdução, existem várias aparições do disco como protagonista em diferentes áreas da cultura pop. No cinema ele também apareceu, de forma tragicômica, no brasileiro Durval Discos, de 2002 que mostra seu hilário protagonista lutando com todas as forças para manter um loja de discos de vinil no Brasil em plena era do CD.
Bastante artística, a película dá uma virada na metade da história: o que parecia uma comédia se torna um drama surreal felliniano. A intenção da diretora era que o filme fosse como um disco de vinil, com lado A e B, oferecendo dois momentos distintos para o público.
Durval Discos foi indicado para vários prêmios e ganhou 7 Kikitos de Ouro no Festival de Gramado, incluindo Melhor Filme, Prêmio do Júri Popular, Prêmio da Crítica e Melhor Direção.
Na literatura uma boa opção é Record Store Days (capa ao lado), em que Gaby Calamar e Phil Gallo se propõem a contar a fascinante história do surgimento desse dia especial para os colecionadores. Além desse, existem incontáveis livros dedicados exclusivamente a arte de discos de vinil, a catalogar discos raros, a relacionar os títulos fundamentais em cada gênero de música, etc.
Nos quadrinhos, não deixe de conferir Red Rocket 7. Muito menos as HQs de Robert Crumb e Harvey Pekar — como Blues, Minha Vida e Bob & Harv: dois anti-heróis americanos —, com suas incontáveis desventuras como colecionadores de antigos discos de 78 rotações.
Os LPs mais vendidos em 2010
No ano passado, 2,8 milhões de discos de vinil novos foram vendidos em todo o mundo. Um aumento de 14% em relação a 2009. Entre os mais vendidos, há um equilíbrio entre clássicos e grupos que se destacaram.
Confira a lista:
1. Beatles -- Abbey Road
2. Arcade Fire -- The Suburbs
3. Black Keys -- Brothers
4. Vampire Weekend -- Contra
5. Michael Jackson -- Thriller
6. The National -- High Violet
7. Beach House -- Teen Dream
8. Jimi Hendrix -- Valleys of Neptune
9. Pink Floyd -- Dark Side of the Moon
10. The XX -- XX
Selecionamos alguns lançamentos marcantes dessa edição do Record Store Day. Confira abaixo:
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- 13th Floor Elevators
Wait For My Love / May The Circle Remain Unbroken
Compacto de 7 polegadas e 45 rotações. Edição limitada em vinil verde. Considerado o “single perdido” da banda, deveria ter sido lançado em 1968.
Selo: Snapper Music
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- AC/DC
Shoot To Thrill / War Machine
Compacto de 7 polegadas e 45 rotações. Antecipa o DVD Live at River Plate, sem planos para se lançar algum áudio desse show em outro formato.
Selo: Columbia
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- The Beach Boys
Good Vibrations / Heroes & Villains
EP em 10 polegadas e 78 rotações. Traz as duas faixas em ambos os lados. Porém, no lado B, são takes em versões iniciais das gravações.
Label: Capitol
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- Beady Eye
Limited Edition 7-inch Vinyl Box Set
Caixa limitada reunindo os 3 primeiros compactos já esgotados do grupo: Bring The Light / Sons of the State, Four Letter World / World Outside My Room e The Roller / Two of a Kind.
Selo: Dangerbird Records
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- Country Joe & the Fish
Electric Music for the Mind and Body
LP de 12 polegadas e 33 rotações. Reedição do clássico álbum psicodélico esgotado. Disco de estreia de Country Joe & the Fish, com 11 faixas. Prensagem em estéreo
Selo: Vanguard
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- Deep Purple
Hush / Speed King
Compacto em 7 polegadas. Traz gravações da primeira e segunda formação da banda se apresentando ao vivo na BBC. Limitado em 1.400 exemplares, será distribuído apenas nas lojas inglesas.
Selo: EMI
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- Derek & The Dominos
Got To Get Better In A Little While / Layla
Compacto de 7 polegadas e 45 rotações. Traz o raro outtake Got To Get Better In A Little While, oriundo das sessões do lendário álbum Layla and Other Assorted Love Songs.
Selo: UMe
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- Eric Clapton & John Mayall
Lonely Years / Bernard Jenkins
Compacto de 7 polegadas e 45 rotações. Reedição de um raro single da década de 1960, remasterizado a partir das fitas mono originais.
Label: Sundazed
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- International Submarine Band
Safe at Home
LP de 12 polegadas em 33 rotações. Lendário disco único da banda de Gram Parsons. Esse álbum é considerado o marco zero do country-rock. Edição em mono, acompanhada de compacto 7”.
Label: Sundazed
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- The Jimi Hendrix Experience
Fire / Touch You
Compacto em 7 polegadas e 33 rotações e CD. Contém versão alternativa para a clássica Fire. O destaque fica no lado B: Touch You é um outtake inédito de 1967.
Selo: Legacy
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- Kings of Leon
Holy Roller Novocaine
EP de 10 polegadas. Trabalho demo de estreia da banda, com 4 músicas. Nunca lançado antes em vinil. Edição especial em vinil vermelho. Takes diferentes do álbum.
Selo: RCA
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- Os Mutantes
Everything is Possible: World Psychedelic Classics 1
LP de 12 polegadas e 33 rotações. Prensagem de alta fidelidade em 180 gramas. Coletânea que apresentou a banda para o mercado internacional. Nunca lançada em vinil.
Selo: Luaka Bop
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- Pink Floyd
London 66/67
LP em 12 polegadas. Edição limitada em vinil branco de 180 gramas, com capa dupla e encartes. Traz versão de 17 minutos de Intersteller Overdrive e a exclusiva Nick’s Boogie.
Selo: Snapper Music
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- Rolling Stones
Brown Sugar / Bitch / Let It Rock
Compacto de 7 polegadas e 45 rotações. Edição inédita que resgata take alternativo das sessões do álbum Sticky Fingers, lançada apenas em raridades obscuras.
Selo: UMe
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- Roy Orbison
Only The Lonely / Oh, Pretty Woman
Compacto em 7 polegadas e 33 rotações. Traz versão mono de Only The Lonely e gravação inédita de Oh, Pretty Woman, ao vivo na Holanda.
Selo: Legacy
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- Syd Barrett
An introduction to…
Vinil duplo de 12 polegadas. Prensagem de 180 gramas com alta fidelidade. Capa dupla com encartes. Além de clássicos e remixagens, traz gravações raras.
Selo: Capitol
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- Television
Live At The Old Waldorf
LP duplo de 12 polegadas. Edição limitada e numerada. Prensagem em vinil branco. Traz o raro show gravado no dia 28 de junho de 1979.
Selo: Rhino
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- Velvet Underground
Foggy Notion / I Can’t Stand It
Compacto em 7 polegadas e 45 rotações. Faixas das “sessões perdidas” do últimos discos da banda, lançadas apenas em coletâneas de raridades.
Selo: Sundazed
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- The Yardbirds
Goodnight Sweet Josephine / Think About It
Compacto em 7 polegadas e 45 rotações. Reedição do último lançamento antes do fim da banda. Antecipa a sonoridade do Led Zeppelin.
Selo: Sundazed
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- The White Stripes
Let’s Shake Hands / Look Me Over Closely
Compacto em 7 polegadas. Reedição do primeiro compacto da banda, com faixas que não entraram em nenhum álbum. Edição limitada em vinil vermelho e preto.
Selo: Third Man Records
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- The White Stripes
Lafayette Blues / Sugar Never Tasted So Good
Compacto em 7 polegadas. Reedição do segundo compacto da banda, com o raro lado A que nunca entrou em nenhum álbum. Edição limitada em vinil branco e preto.
Selo: Third Man Records