Existe uma piada recorrente entre os cinéfilos sobre os anos terminados em 9 serem milagrosos. 1939, por exemplo, é considerado o maior ano do cinema clássico hollywoodiano; 1999, falando de um mais recente, é tido como o mais prolífero do cinema contemporâneo. Não é diferente com 1959.
O cinema tomava grandes proporções em diversas escolas e países diferentes, mas para resumir 1959 poucas palavras é preciso lembrar-se do cinema francês. Foi este o ano em que uma enxurrada de filmes transgressores invadiu os cinemas da França, dando início ao movimento da Nouvelle Vague, que transformou o jeito de se fazer cinema desde então.
Jean-Luc Godard e François Truffaut lideravam a turma. Outros autores, como Alain Resnais, Claude Chabrol e Eric Rohmer, conquistaram junto deles seu espaço com muito sangue novo e vontade de filmar. Robert Bresson, diretor de O Batedor de Carteiras, em cartaz no Cine Sesc no próximo dia 12, já era praticamente um veterano à época. Sua experiência deu resultado.
Foi Bresson o responsável por um dos mais simbólicos e sublimes filmes franceses de 1959. Falo, é claro, de O Batedor de Carteiras, filme que diz muito também sobre o projeto de cinema do diretor. Já na cena inicial, somos apresentados à história completa do filme. Sabemos seu início, meio e fim. Uma história muito simples, simplória, quase inexistente. Nas sequências que se seguem, Bresson nos convidada a acompanhar o drama de um homem comum com um desvio moral (é, como diz o título, um ladrão de carteiras). Faz isso através de uma estética gélida e dura que, ao contrário do que se pode imaginar, consegue captar de forma profunda e fascinante as mazelas da alma de seu personagem.
O cineasta optou pela escalação de atores amadores para a encenação do filme, o que confere um desconforto impactante na forma com que se relacionam com a câmera. Não é de sua interpretação que surge a força dramática do filme, mas sim de como sua câmera o enxerga e o acompanha, de como ela se posiciona diante do que é visto. O jogo de encenação de Bresson chega ao seu máximo em duas sequências-chave: o fatídico roubo no metrô, onde acompanha em planos fechados as mãos que furtam carteiras nos bolsos dos passageiros, e o encontro na prisão, na cena final, um dos momentos mais sufocantes de seu cinema, engasgado num remorso comovente e angustiante.
Bresson tem um propósito muito claro ao entregar a trama do filme logo ao início da projeção. Não é na história de seu protagonista que o cineasta deseja que os olhos do espectador se voltem. Em O Batedor de Carteiras, muito mais importante do que aquilo que acontece, é a forma com que o filme reage a esses acontecimentos, como ele nos transmite isso. Alguns diriam se tratar de poesia visual, mas prefiro chamar, simplesmente, de cinema.
Crítica de cinema - O batedor de carteiras
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