Por Daniel Dalpizzolo @dandalpizzolo / [email protected]
Ao início de Hiroshima Mon Amour, enquadrados em uma fotografia preto-e-branca com textura de cinzas, vemos dois corpos nus se entrelaçarem em uma imagem estranha e poética. Em seguida, a câmera vagueia por um museu de recordações do fatídico episódio da bomba de Hiroshima, enquanto uma narração poética tonifica as imagens e constrói uma atmosfera aterradora.
O cineasta Alain Resnais e a escritora Marguerite Duras haviam recebido uma encomenda para um documentário sobre a devastação da cidade de Hiroshima ao aceitarem fazer Hiroshima Mon Amour. É possível sentir a dor e a herança desta tragédia em cada frame do filme, mas a amplitude que as questões centrais do filme tomam é que fazem dele uma obra-prima eterna e inigualável.
O amor e a morte, representados pela dualidade de imagens das sequências iniciais, ganham forma no romance entre duas pessoas transformadas por experiências da guerra. Ele, um japonês vitimado emocionalmente pela tragédia de Hiroshima. Ela, uma francesa que chora pelo amor de um oficial nazista morto em conflito, um romance impossível que quer superar a todo custo. Ambos veem um no outro uma forma de esquecer o passado. Será possível?
Alain Resnais desconstruiu o cinema em uma bem sucedida tentativa de reproduzir a mente humana em suas narrativas, que o fizeram ganhar um título incômodo de cineasta “difícil”. Fez dezenas de filmes brilhantes nas décadas de 60, 70, 80, 90 e também nestes anos 2000, nos quais segue em atividade. Mas talvez seu o maior sucesso siga sendo este que é seu primeiro trabalho com longas-metragens.
Na corrente descontínua de imagens do filme, vemos uma relação a dois ser construída em tela através das memórias daquelas pessoas. Memórias que fizeram crescer, memórias que devastaram. Não importa. O peso do passado, do qual não conseguem se livrar e que é decisivo nas escolhas futuras, está todo presente através das lembranças resgatadas por Resnais – sejam específicas destes personagens, sejam de toda a humanidade.
O tempo, a memória e a influência destas heranças nunca foram tão bem representadas em tela quanto em Hiroshima Mon Amour, que, ironia ou não, é mesmo uma experiência impossível de esquecer.