Crítica de cinema - Daniel Dalpizzolo
Em um circuito de cinema cada vez mais regrado pelos conceitos hollywoodianos, é de certa forma um respiro encontrar em salas de cinema brasileiras um filme como este Não Me Abandone Jamais, ainda que distribuído em menor escala. Uma obra com identidade e com força própria impressionantes, mesmo com seus eventuais defeitos, e que desperta reações incômodas que vão da comoção ao estranhamento, embaladas por uma realidade distópica e fria, pálida como um cadáver.
Dirigido por Mark Romanek, o filme acompanha um triângulo amoroso entre três seres condicionados a uma dura realidade. No universo do filme, os homens encontraram na clonagem uma forma de produzir seres humanos meramente para a utilização de seus órgãos em cirurgias posteriores. São pessoas que vivem à margem da sociedade e existem simplesmente para doarem parte de seus corpos para salvarem outras vidas.
Em meio a tamanha frieza e cientificidade, o embate proposto por Romanek surge exatamente quando estes personagens, ainda na infância, revelam emoções distintas, típicas da ‘alma’. Da raiva à paixão, eles precisam lidar com diferentes sentimentos que fogem à compreensão imediata por viverem presos a um conceito de realidade primordialmente racional.
Não Me Abandone Jamais acompanha os personagens em períodos distintos da vida, e seu mérito está em construir uma relação de afeto tão precisa frente a um mundo tão gélido e cinzento. Não há espaço para melodrama ou momentos grandiloqüentes: é no minimalismo com que constroi essas relações que o filme se encontra, ainda que por vezes fique limitado a uma excessiva frigidez formal por conta dele.
Mas ao mesmo tempo em que essa frigidez pode dificultar a alguns sentirem a verdadeira força do filme, ela de certa forma é essencial. Pode-se sair do filme indiferente aos sentimentos de seus personagens, mas não se pode negar que, independente disso, esta fábula estranha e cinzenta ganha e muito com o mistério que surge dessa sua estética gélida e da narrativa pouco explicativa, que o tornam um filme realmente diferenciado