Crítica de cinema - Deixe-me entrar

Por
· 1 min de leitura
Você prefere ouvir essa matéria?
A- A+

por Daniel Dalpizzolo @dandalpizzolo / [email protected]

A pequena diferença de grafia dos títulos de Deixa Ela Entrar, belo filme de horror sueco dirigido por Tomas Alfredson, e sua refilmagem hollywoodiana, este Deixe-me Entrar, é, mesmo que talvez inconscientemente, uma síntese da relação de ambos com o espectador. O primeiro, poético e misterioso; o segundo, mais direto, mas nem por isso menos doce e afetuoso.
Quem já  viu o filme original, uma das surpresas da temporada de 2009, vai se deparar com o mesmo material, a mesma atmosfera aterradora que envolve esta história de descobrimento e compreensão de duas crianças marginalizadas: um garoto solitário que, aos 12 anos, conhece uma garota da mesma idade condicionada a uma eterna exclusão social - por ser uma vampira.

Matt Reeves mantém a estrutura e o tom da história contada maravilhosamente por Alfredson praticamente intactos, o que é uma surpresa em se tratando de refilmagens à americana (geralmente servidas como papá de bolacha), mas deixando sua marca autoral ao tornar certos pontos e cenas mais diretas e facilmente compreensíveis – incluindo as sequências de violência, gráficas e viscerais, o que era de se esperar de alguém como Reeves. O diretor dá  o tempo certo para que seus atores mirins construam, em bonitos planos alternados, que retratam ao mesmo tempo a proximidade construída entre ambos e o distanciamento deles com o mundo, uma relação de afeto que envolve o espectador por sua singeleza brutal, fazendo, como no original, até o sangue ser visto como uma licença poética.

E é esta dualidade que faz de Deixa Ela Entrar, seja a versão que for, um filme tão especial. O vampirismo, tema que nas últimas duas décadas tem rendido bons filmes para discutir condições intrínsecas ou socio-culturais do ser humano (como Os Viciosos, de Abel Ferrara, e Desejo e Obsessão, de Claire Denis – não acharam que eu iria citar Crepúsculo, é?), retorna aqui para metaforizar um período de amadurecimento e de descobertas que separa o final da infância e a chegada da adolescência – quando o mundo, muitas vezes, parece ser um filme de horror.

É, como todos que passaram devem saber, um período tão perturbador e fora de padrões quanto o beijo recheado de sangue dado pelos dois, que ainda assim não poderia ser mais doce. É assim que o filme desafia o olhar a driblar os bons costumes para enxergar além das meras formatações de gênero: seja visto como suspense, como horror ou um drama infantil, é acima de tudo um filme sobre duas crianças que, como refúgio de tudo o que as fere, possuem apenas uma à outra.

Gostou? Compartilhe