Vencer

Coluna de crítica de cinema www.cineplayers.com

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por Daniel Dalpizzolo @dandalpizzolo / [email protected]

Em uma das cenas-chave de Vencer, do veterano cineasta italiano Marco Bellochio, vemos uma mulher assistir a O Garoto, de Charles Chaplin. Já estamos cientes de seu drama particular e do porquê daquele choro tão simbólico, que em um filme qualquer seria oprimido pela importância de tudo o que acontece ao seu redor – afinal, acompanhamos aqui nada menos que a ascensão do fascismo na Itália dos anos 30, na figura de seu grande líder Benito Mussolini.

Mas o discurso de Bellochio se constroi duma forma distante ao que vemos tradicionalmente no cinema histórico: ao invés dos grandes fatos e dos duelos verbais e físicos, o cineasta utiliza-se de uma radical estrutura narrativa que rasga o filme ao meio para pintar o horror da guerra através da anulação gradativa do componente humano de seus dois protagonistas - que, à sua maneira, transformam Vencer em um filme não de pessoas, mas de fantasmas e mitos.

Na primeira metade de Vencer, acompanhamos o romance de Mussolini, então revolucionário das ruas, com uma jovem italiana, Ida Dalser. Um amor intenso que se transforma em uma tragédia pessoal com a ascensão do homem ao poder e a gravidez da moça – que, para piorar, era um caso extra-conjugal dele, que Mussolini decide esconder. Ela, perdidamente apaixonada, mesmo assim tem o bebê – que nomeia de Benito. Mas a vida de Ida, depois de ser deixada pelo então poderoso mito político, vira um dramático calvário por instituições para doentes mentais – afinal, quem naquele contexto ousaria dizer ser uma amante do mito Mussolini sem ser chamada de insana?
Vencer, na coragem de seu realizador, se torna ele próprio um filme de grandes decisões políticas. Bellochio aproveita-se de diversas imagens de arquivo para compor uma primeira parte enervante, intensa; um cinema que pulsa da tela de forma impressionante. Mas é na metade final que vemos as reais consequências das opções narrativas do cineasta. Ao abandonar o “homem” Mussolini para tornar este nome basicamente uma essência mitológica, Bellochio nos sentencia a acompanhar os esforços de uma mulher que, esmagada pela força da história e por seus próprios sentimentos, perde completamente a dignidade para viver. O que faz lembrar da cena descrita lá no início do texto, e do peso que existe naquela imagem: um fantasma de carne e osso que se emociona ao ver um ícone de nossa arte humanista. Bellochio não poderia ser mais expressivo.

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