De volta à censura

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por Daniel Dalpizzolo @dandalpizzolo / [email protected]

1985. Este era o último ano em que um caso de censura prévia de um filme havia sido registrado no Brasil - tratava-se de Je Vous Salue, Marie, de Jean-Luc Godard, banido do país por questões religiosas. De lá pra cá (e quem viveu a ditadura militar deve saber melhor do que eu) muito se avançou na discussão sobre liberdade de expressão e direito de escolha, o que garantiu espaço para que a arte pudesse discutir questões sociais e morais de nosso mundo.  

Desde a última semana, porém, o Brasil vive em retrocesso. Em censura. Por conta de uma ação movida por um partido político do Rio de Janeiro, e acatada pelo juizado da 1ª vara da Infância, da Juventude e do Idoso do Estado, Um Filme Sérvio (A Serbian Film), de Srdjan Spasojevic, foi vetado da programação da RioFan, festival de cinema fantástico do Rio de Janeiro, sendo apreendido pela justiça brasileira (a contragosto de seus organizadores, que haviam programado a sessão para maiores de 18 anos, como deve ser).

A justificativa divulgada pelos censores, que por sinal afirmam não terem visto o filme e balizaram-se para o veto em uma matéria tendenciosa de um jornal do centro do país, era a de que A Serbian Film infringia a constituição que defende os direitos da criança e do adolescente, fazendo apologia à pedofilia em duas cenas envolvendo crianças de pouca idade sendo usadas como objeto sexual.

Antes de ter sua cópia apreendida, porém, maranhenses (Festival Lume de Cinema) e gaúchos (Festival Fantaspoa) tiveram a oportunidade de conferir esta produção sérvia, e constatarem o óbvio: ele jamais, sob hipótese alguma, defende ou sequer insinua a prática da pedofilia como sendo algo saudável, normal ou que possa provocar excitação em seus espectadores, nem muito menos coloca seu ator mirim em qualquer constrangimento em cena.

Posso orgulhosamente dizer que exerci meu direito e, antes de tomar qualquer posicionamento a respeito de suas intenções, vi o filme. Que de fato é chocante, por suas cenas de violência, sim, mas principalmente por discutir a perturbação moral de um país cuja sociedade, horrorizada pela guerra e pela miséria, busca aos poucos uma readequação, porém tendo que conviver com as consequências de sua história. Uma discussão que trabalha, acima de tudo, de maneira profissional e coerente, duas palavrinhas importantes nessa história - para o bem ou para o mal.

O caso de Um Filme Sérvio deve ir para análise no Supremo Tribunal Federal. Com ou sem censura, o filme já possui data de estreia comercial no Brasil: 26 de agosto. E, pelo que diz em nossa consituição, temos o direito de vê-lo. Ou deveriamos ter, afinal “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

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