Só o começo

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Marina de Campos

Não entendo. Não entendo o que fazem essas pessoas estranhas reunidas debaixo de uma enorme lona em plena noite de chuva, como se num ritual. Não há qualquer conforto. Nem carpete, nem poltronas confortáveis, nem ar-condicionado, não há nem mesmo um teto! E lá estão elas, estranhas, como que hipnotizadas, satisfeitas com essa precariedade escolhida, essa preferência pelo falso improviso, um evento de trinta anos ainda realizado debaixo de uma lona de circo. “Ainda”, ainda bem. Pois é isso que torna a Jornada diferente. Ninguém que vem até aqui busca conforto, comodidade, a resposta mais simples, o pensamento mais óbvio. Querem sofrer na pele todas as intempéries, como se assim demonstrassem a sua arrebatadora e obsessiva paixão pela literatura. Debaixo de frio rigoroso e característico de Passo Fundo. Não, nós não queremos o calor da última edição, preferimos o inverno típico das Jornadas, esse que dói na alma e nos lembra que estamos vivos – sensação parecida com a que se tem ao ler um bom livro. As Jornadas Literárias têm ares de sacrifício, e é esse o seu grande charme, o seu inabalável trunfo. Aqui é a literatura pela literatura, sem floreios, sem disfarces, sem luxo nem conformismo. Doa a quem doer, gostem ou não, somos parte desses 130 mil que já passaram por aqui, e ainda seremos muito mais. Afinal, a vida só começa aos 40!

Espetáculo de abertura

A lona fez com que se sentissem em casa. O público fez com que se sentissem no palco. Responsável pela abertura da 14ª Jornada Nacional de Literatura, a consagrada companhia carioca Intrépida Trupe deu ao evento um espetáculo à altura de seus 30 anos. Extremamente despretensioso a despeito dos números fantásticos que se sucediam aumentando o assombro da plateia, o show trouxe o melhor do novo circo – assunto no qual o grupo é pioneiro -, explorando a estrutura de todo o Circo da Cultura. Passando do engraçado ao sensual na simples troca de uma música, os atores animaram as cerca de cinco mil pessoas presentes com acrobacias das mais diversas, munidos de tecidos e elásticos capazes de provocar efeitos visuais mais impressionantes que os cinematográficos. Num dos números em que se perseguiam pelo picadeiro, ousaram subir a tecidos presos ao ponto mais alto da lona, e soltar-se de lá de cima rodopiando sobre a cabeça do público atento. Com muito bom-humor e referências bem pensadas – a mestre de cerimônias era uma escritora “famosa”, que se dizia tia de ninguém menos que J. K. Rowling -, a Intrépida Trupe se inseriu com perfeição ao contexto das Jornadas, oferecendo um show leve e ainda assim brilhante, baseado na beleza dos detalhes dos sorrisos sinceros e na infalível simplicidade de um giro pelo ar. O desenho da sombra de um dos artistas no painel presente no fundo do palco poderia ficar eternizado ali, até o fim da Jornada.

Palavras em canção

Entrada surpresa, saída à francesa. No palco, Humberto Gessinger surge discreto, apenas acompanhado de violão e uma gaita de boca, para cantar a música tema da Jornada. A canção, musicada pelo líder da banda engenheiros do Hawai e com letra de Paulo Becker, teve o refrão acompanhado pelo público entusiasmado com a inesperada presenca do artista. Ao final da música, Gessinger agradeceu e deixou a plateia com gosto de quero mais.

Grandes colaboradoras

As professoras Lurdes Canelles e Dalva Bisognin foram homenageadas pela coordenadora geral das Jornadas Literárias Tânia Rösing. Enquanto anunciava a homenagem, Tânia enfatizou a importância da colaboração das professoras ao longo de muitos anos de dedicação à literatura. “Depois de muitos anos sem assistir a Jornada agora a professora Lurdes poderá aproveitar para participar dos encontros e debates”, comentou lembrando da aposentadoria da professora.

MinistrA

As mulheres presentes na platéia do Circo da Cultura fizeram questão de corrigir o protocolo e as autoridades que se referiram a ministra Ana Holanda como ministro de Cultura. O presidente da Câmara de Vereadores de Passo Fundo Luiz Miguel Scheis foi alvo das advertências mais calorosas. A plateia também chamou a atenção dele quando ele se referiu a Dilma como presidente do Brasil. A ministra Ana Holanda durante o pronunciamento deu razão às mulheres que se manifestaram. Para ela a forma feminina deve sim ser valorizada como forma de demonstrar que as mulheres estão ocupando novos espaços.

Quebra de protocolo

Durante a solenidade de abertura o presidente da Câmara dos Deputados Marco Maia quebrou o protocolo parta dar lugar do discurso para o deputado federal e atual secretário de Infraestrutura do Rio Grande do Sul Beto Albuquerque.

Filhos de Josué

Os filhos do escritor Josué Guimarães Adriana e Rodrigo Machado Guimarães também foram homenageados. Eles foram chamados para entregar os prêmios aos vencedores do Concurso de Contos que leva o nome do pai.

Carinho pelo Rio Grande

A abertura também contou com a participação da escritora Elisa Lucinda. Após a leitura de um texto de Josué Guimarães e outro de sua própria autoria, ela fez questão de demonstrar seu carinho pelo Rio Grande do Sul, interpretando a canção Deixando o Pago, escrita  por João da Cunha Vargas e musicada por Vitor Ramil, que estava na platéia e acompanhou parte da solenidade.

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