Eric Clapton em Porto Alegre

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Rodrigo de Andrade*

    Encarar uma viagem para conferir um grande concerto de rock é sempre uma aventura. Mas nesse caso, foi mais como uma romaria. Uma peregrinação espiritual para os devotos do Deus da guitarra. Divindade essa proclamada ainda lá nos early 60s, quando todos os freqüentadores dos inferninhos de Londres comprovaram que não existia mais ninguém que canalizasse o espírito de um som através de seis cordas como Eric ‘Slowhand’ Clapton.
    Um Deus do Rock que atravessou eras, passou por inúmeras bandas lendárias, compôs clássicos, tornou-se um ícone enquanto instrumentista... e tocou ali em Porto Alegre na noite de quinta-feira. Pontualidade britânica: às 22h “Derek” subiu no palco e começou o show. Como afirma o título do seu último álbum — em parceria com o jazzista Wynton Marsalis —, Eric Clapton play the blues. Desde os primórdios, o guitarrista construiu sua reputação por ter captado e revelado toda a riqueza de uma tradição musical que veio da lama. E foi assim que a noite começou: repleta de blues! Clássicos do gênero como “Key to the Highway” e “Hoochie Coochie Man” foram executadas com a convicção de um mestre, repletas de grandes momentos e solos inspiradíssimos.
    Mas Clapton é uma instituição também por transitar com desenvoltura e qualidade ímpar por vários gêneros, como o rock, o jazz e o pop. Quem foi conferir a apresentação no estacionamento da FIERGS — um local grande, mas sem estrutura para um espetáculo — curtiu músicas como “Tearing us apart’, “Wonderful tonight” e “When somebody thinks you’re wonderful”. Apesar vários solos terem apenas confirmado seu status lendário, já faz tempo que o guitarrista não precisa provar exaustivamente que é detentor de um talento único. Faz anos que Eric demonstra se preocupar mais com a música em si do que com exageros do seu poder divino. Os tecladistas Chris Staiton e, principalmente, Tim Carmon deram shows de virtuosismo mais vibrantes e menos contidos do que o da estrela principal. Clapton esteve acompanhado ainda pela sua cozinha padrão: Willie Weeks no baixo e Steve Gadd na bateria, além de duas backing vocals. A guitarra ele assumiu sozinho.
    Tocando sentado ou em pé, Eric não deixou de revisitar grandes hits de sua carreira. A maioria com arranjos adequados a sonoridade de seus trabalhos mais recentes. O público pode conferir “Layla”, “Badge”, muito blues — como “Little queen of spades” e “Driftin’ blues” — e covers imortalizadas por Clapton, como “Cocaine” e “Crossroads”.
    Longe de ser um showman esbanjando simpatia, o que move o guitarrista é exclusivamente a música. Com seu ar inglês bastante reservado, Clapton se limita a agradecer os aplausos. Um tanto frio e distante, sem demonstrações efusivas de realização, mas nada estranho para quem já conhece o artista. Um certo caráter protocolar — horário certo, começo pontual, repertório sem surpresas, bis definido e composto por uma única música — deram ao todo da apresentação um ar burocrático, como se fosse um compromisso sendo cumprido. Entretanto, a dedicação e satisfação dos músicos no palco transpareciam a realização de estarem executando aquele som.
    Na romaria, em grupo ou separados, aproximadamente 200 devotos passo-fundenses viajaram até Porto Alegre para conferir o Deus da guitarra. Foram todos abençoados com o melhor que uma figura da vanguarda do rock mundial podia oferecer.

 

 

*Comprometido em proporcionar ao leitor informação não somente de âmbito local, mas também estadual, nacional e por vezes mundial, é claro que o Segundo não poderia deixar passar em branco a apresentação de um dos maiores nomes da música de todos os tempos em Porto Alegre. Para isso, contamos com a colaboração do nosso informante Rodrigo de Andrade, jornalista, adorador de rock e editor do site Os Armênios, parceiro do Segundo já de longa data. Ele foi até a capital na última quinta-feira, 6 de outubro, e assim como outros 200 passo-fundenses, acompanhou de perto o show de Eric Clapton no estacionamento da Fiergs. No texto acima estão as suas impressões sobre a apresentação de quase duas horas que impressionou pelo rigor e pela precisão. Como definiu Rodrigo, foi um show de gente grande.

 

 

9 coisas sobre Clapton

A mulher do meu melhor amigo
Um dos momentos mais difíceis da vida de Eric Clapton foi a sua paixão arrebatadora pela mulher de George Harrison, seu grande amigo. Como tudo aconteceu numa fase em que o ex-beatle se voltou completamente para a cultura indiana, a jovem Pattie Boyd se sentiu abandonada e acabou se envolvendo com Clapton, que viria a se tornar seu marido. A história gerou um verdadeiro clássico da carreira do músico, a famosa canção Layla.

Com o CREAM
Apesar de ter durado apenas 3 anos, o Cream foi um marco na história do rock e é dono de um dos seus álbuns mais míticos, o Disraeli Gears. Ao lado de Jack Bruce e Ginger Baker, Clapton fez história com um incomparável híbrido de blues, hard rock e rock psicodélico. Considerado o primeiro grande supertrio do rock, o Cream também tem no currículo uma das mais famosas introduções do rock, a da canção Sunshine of Your Love.

Tears in Heaven
Uma das mais famosas canções de Clapton, faz parte do álbum Unplugged, de 1993, e fala sobre a morte acidental de seu filho de 4 anos ao cair de uma janela. Ele comenta em sua autobiografia: “Ao ser lançado, foi o álbum de maior vendagem da minha carreira. Foi também o mais barato de produzir e o que exigiu menor volume de trabalho. Mas, se você quer saber o quanto de fato me custou, vá a Ripley e visite o túmulo do meu filho”.

Reabilitação
Conhecedor do drama do alcoolismo, Clapton fundou em 1998 o centro de reabilitação Crossroads Centre, em Antígua, no Caribe, onde se tratou durante a sua própria recuperação. Além de realizar leilões beneficentes, o músico criou também o Crossroads Guitar Festival, que visava arrecadar fundos para o tratamentos de dependentes químicos.

Na primeira pessoa
A vida de Eric Clapton é uma das mais conturbadas da história da música, e por isso mesmo fascinante. Se for contada pelo próprio, torna-se um clássico. É o caso de Eric Clapton - A Biografia, livro lançado pela editora Planeta com as memórias do músico em primeira pessoa. Incrivelmente honesto e talentoso também como escritor, Clapton produziu uma das melhores obras do gênero.

Comandante da Ordem do Império Britânico
Em 2004 Eric Clapton recebeu o título em reconhecimento à sua contribuição para a indústria fonográfica britânica. “Um dos guitarristas mais influentes de todos os tempos”, segundo sua apresentação feita pelo Palácio de Buckingham, representado pela princesa Ana, filha da rainha Elizabeth II, que lhe conferiu o título. “Quando era mais jovem não teria sido capaz de aceitar. Agora amadureci e acho que é importante ser capaz de ser um exemplo”, reconheceu Clapton.

Onde começaram os grandes
A banda Yardbirds é conhecida no rock como o reduto onde começaram alguns dos grandes nomes do gênero. O próprio Clapton foi o responsável por alavancar o grupo ao entrar em 1963. Também viriam a fazer parte dos Yardbirds os músicos Jeff Beck e também Jimmy Page, pouco antes de fundar o Led Zeppelin. Clapton deixou a banda quando seu estilo passou a soar pop e desagradar o músico.

O deus da guitarra
Entre 1965 e 66, era comum enxergar a frase “Clapton is God” pichada pelas ruas de Londres. Foi quando ele entrou para a John Mayall & the Bluesbreakers, estabelecendo seu nome como músico de blues e inspirando o fanatismo de jovens que o elegeram uma divindade do rock. Ele também já foi chamado de “Slowhand”.

Fã de João Gilberto
Na única entrevista que concedeu no Brasil esta semana, ao Jornal da Globo, Clapton confessou ser um grande admirador do músico João Gilberto e ter o desejo de tocar com ele. O desejo surgiu após conferir um show do músico juazeirense em Londres, há alguns anos.“Eu gostaria de tocar com João Gilberto, mas sei que ele é muito difícil de ser acessado”, explicou o músico, ciente da fama de reclusão do ícone da música popular brasileira.

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