No dia 2 de fevereiro completaram-se exatos 130 anos do nascimento do escritor irlandês James Joyce, mas não é bem por isso que seu nome vem tomando páginas de jornais, publicações e sites do país inteiro. O que realmente importa neste momento é o fato de que, passados 70 anos da data de sua morte, a obra completa do célebre autor finalmente se torna domínio público no Brasil - ou seja, pode ser publicada por qualquer editora que possuir interesse e ser reproduzida livremente, sem depender do aval da família.
Poderia se tratar de um simples detalhe burocrático, não fosse pelo excêntrico detentor dos direitos da obra Stephen James Joyce, neto do escritor. Odiado por editoras e pelo meio acadêmico pelo modo como age em relação ao seu poder - “Eu sou um Joyce, não um joyceano” -, ele é conhecido por dificultar o acesso não apenas aos livros mas também a uma grande variedade de cartas e documentos que esclareceriam muitos estudos em relação à complexa produção deixada pelo autor de clássicos como Ulisses e Retrato de um artista enquanto jovem.
Para se ter uma ideia do tipo de atitude tomada pelo neto, ele ameaçou processar quem citasse trechos de romances em teses acadêmicas, e chegou ao cúmulo de ameaçar o governo inglês pela comemoração do centenário de Bloomsday, feriado nacional dedicado ao personagem de Ulisses, Leopold Bloom. Isso sem falar nas diversas adaptações para teatro e cinema que foram barradas por seus caprichos. Na contramão da maioria dos detentores, que costumam respeitar a “vida própria” que grandes obras adquirem e estimular a sua reprodução, agora Stephen será obrigado a ver o fim de seu longe reinado.
Apesar de ainda buscar maneiras de ter domínio sobre a obra nos Estados Unidos e na Inglaterra, por aqui James Joyce já não diz mais respeito ao seu neto, podendo ser publicado, estudado e adaptado sem a interferência de herdeiros. A primeira a se manifestar é a editora Companhia das Letras, que já no ano passado anunciou para 2012 o lançamento de Ulisses em seu catálogo.
O tradutor dessa nova versão, Caetano Galindo, resume bem a importância dessa libertação. “Os direitos autorais, que deveriam servir para proteger os interesses da obra e do autor, em certos casos, podem estar trabalhando contra ambos. Joyce merece atingir um nível de exposição semelhante ao de Shakespeare, por exemplo, e isso envolve a necessidade de que a obra seja conhecida por todo tipo de gente, em todo tipo de formato. Por outro lado, de novo como em Shakespeare, espero que a esfera acadêmica também se veja mais desimpedida e que com isso surjam novos e mais instigantes estudos sobre a vida e a obra de Joyce, sem que ninguém corra o risco de ser processado”.
Se dizem que a arte é livre e não pertence nem mesmo ao artista que a criou, é mesmo de se comemorar que uma obra tão vasta e rica tenha finalmente se libertado depois de tanto tempo.