CASH - Uma biografia

Na data em que Johnny Cash faria 80 anos, biografia em quadrinhos se destaca entre os mais completos e criativos documentos publicados no Brasil

Por
· 3 min de leitura
Você prefere ouvir essa matéria?
A- A+

Marina de Campos

      Meio segundo após entrar no palco, agarrar o microfone e anunciar com sua voz potente: “Hello, I’m Johnny Cash”, a plateia formada por bandidos, psicopatas e assassinos perigosos da prisão de Folsom irrompe em um som de euforia simplesmente indescritível. O mais próximo que se pode chegar disso é provavelmente o conjunto de furiosos desenhos e poucas palavras presentes na página 162 de Cash - Uma biografia. Alguns dizem que há coisas que só se pode fazer nos quadrinhos, e uma delas deve ser fazer você ouvir a vibração de um pedaço de papel quando ali está sendo contada a história de um ícone, uma lenda obscura da música country.
     Morto em Nashville quatro meses após o falecimento de June Carter, em 2003, Cash completaria 80 anos neste domingo, 26 de fevereiro. Para marcar a data, uma das melhores - e únicas - obras sobre o mítico cantor publicadas no Brasil é a biografia em quadrinhos lançada em 2009 pela editora porto-alegrense 8Inverso. Fruto da sugestão do tradutor e jornalista Augusto Paim durante intercâmbio na Alemanha, onde conheceu a obra do autor Reinhart Kleist, a graphic novel conta em detalhes toda a vida do artista conhecido como Homem de Preto. Em pouco mais de 200 páginas, o leitor descobre desde a infância nos campos de algodão e a perda trágica de seu irmão, passando pelo início da carreira, o primeiro casamento, o envolvimento com as drogas e a arrebatadora paixão por June Carter, fato marcante que mudou o curso de seu destino, até chegar em sua velhice. Com um traço marcante e narrativa fluente, parecendo acompanhar o ritmo da música de Cash, os quadrinhos transformam a vida real em uma aventura mais fantástica e pungente que qualquer ficção. E aproveita uma história secundária contada simultaneamente para construir o seu grande clímax: o momento em que o presidiário Glen Sherley vê o cantor apresentar uma composição sua durante o emblemático show realizado na Prisão de Folsom em 1968.
      Editada com o intuito de coincidir seu lançamento com a vinda de Kleist ao Brasil naquele ano, a biografia em quadrinhos já havia sido reconhecida ao redor do mundo como uma homenagem preciosa a qual poucos artistas tem direito. Vencedora do prêmio de melhor graphic novel alemã na Feira de Frankfurt, no Festival de Berlim e na Feira do Livro de Munique, a obra foi traduzida para oito idiomas e se tornou um marco contemporâneo dos quadrinhos, abrindo caminho para uma série de outras biografias nesse formato. Em resumo, poucas coisas dizem mais sobre a vida, sobre a música e sobre John Ray Cash do que a leitura de Cash - Uma biografia ao som de seus discos.

Entrevista com o tradutor Augusto Paim

Como foi o trabalho de pesquisa sobre a vida de Cash?
Antes mesmo de começar a traduzir eu já estava me preparando, entrando no clima. Assisti a quatro ou cinco filmes sobre Johnny Cash. Um deles, claro, foi Johnny & June. Os outros eram documentários: The man, his world, his music; Johnny Cash at Folsom Prison; e Johnny Cash - the last great American. Ah... e também escutei muitos discos de Johnny Cash e li muita coisa sobre ele. Sem essa preparação prévia, teria sido impossível fazer a tradução em tão pouco tempo.

Qual foi sua estratégia de tradução para uma obra tão peculiar, que tem como fio condutor a música?  Cada obra exige estratégias de tradução diferentes. Nesse sentido, traduzir não é diferente de fazer uma reportagem ou escrever ficção - minhas outras ocupações. No caso de Johnny Cash - uma biografia, eu tive pela frente alguns obstáculos próprios do idioma alemão. Como era minha primeira tradução, ainda precisava pensar muito para superar esses obstáculos. Afora isso, era importante conhecer bem a vida de Johnny Cash e traduzir no ritmo da sua música. Afinal, a obra também foi composta nesse ritmo. Acho que a minha principal inspiração para essa tradução foi o clipe Hurt. Assistindo agora, para responder a esta entrevista, sinto novamente arrepios. Ele realmente “dói” quando se conhece toda a trajetória de vida de Johnny Cash e June Carter.

Qual é a sensação de ter sido responsável por abrir as portas para uma obra mundialmente reconhecida?
O contato com a biografia de Johnny Cash foi casual. Diz respeito a oportunidades que surgiram e que se desenharam de forma clara na minha frente, e eu tratei de aproveitá-las. Depois disso, naturalmente houve esse encantamento com a obra, especialmente com a vida do biografado, neste caso específico. Isso é algo impagável. Por mais que esse já seja um trabalho antigo, é maravilhoso perceber que meu nome tem sido associado ao de Johnny Cash e ao de Kleist quase como uma trindade. Isso é raro, muito raro de acontecer - normalmente o tradutor é apenas uma das pessoas que prestam os trabalhos técnicos que permitem que os livros sejam publicados. Então, só posso agradecer por isso, porque sou fã de Kleist e de Johnny Cash.

Gostou? Compartilhe