Uma senhora de idade de cabelos alvos e bochechas flácidas, muito parecida com a minha ou talvez com a sua vó, perde-se no tumulto cotidiano do mercadinho da esquina. Está visivelmente desconectada do mundo: seu passado pesa, a idade reclama e o avanço do Alzheimer assusta - deixar de fazer parte de algo é pior quando você uma vez já foi o chefe do grupo. Se é consenso entre a crítica que a única qualidade de A Dama de Ferro é a atuação de Meryl Streep, então esta é uma qualidade suficientemente grandiosa para que o filme mereça ser visto. Vencedora do disputadíssimo Oscar de melhor atriz por incorporar de maneira impecável e por vezes inacreditável a lendária ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, a veterana rainha de Hollywood mostra que nunca é tarde para se superar. Ainda que o roteiro não alcance a dimensão de Thatcher para a história - por bem ou por mal -, concentrando-se em aspectos equivocados e deixando mal explicado o que deveria ser esclarecido, a presença de Streep e de uma poderosa maquiagem fazem jus a um dos mais controversos ícones da política do século 20. Enquanto sua juventude é interpretada pela também competente Alexandra Roach, sobra para a atriz a missão de assumir toda a vida adulta e também a complexa velhice de Thatcher, hoje com 86 anos. Fazendo bastante uso do recurso dos flashbacks, A Dama de Ferro aborda elementos pessoais como a relação com o pai e com o marido, e mais tarde o difícil dia-a-dia com os filhos e com a doença, deixando apenas para momentos cruciais uma abordagem mais profunda da política, como ao alcançar o posto de primeira-ministra, durante a Guerra das Malvinas e ao deixar o poder. Um pouco maçante mesmo sem alcançar sequer duas horas de projeção, o filme se sustenta mesmo pelo brilho de uma atriz capaz de deixar tudo cinza à sua volta. Mais do que a cinebiografia de Margaret Thatcher, o longa é a documentação do esforço e do sucesso de Meryl Streep em incorporar não uma heroína carismática como tantas outras que assumiu, mas sim uma mulher amada e também odiada, incrivelmente difícil de compreender - e que dirá personificar.
Deus salve a primeira ministra
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